Título: Ação contra Bradesco causa polêmica
Autor: Raquel Balarin e Vanessa Adachi
Fonte: Valor Econômico, 17/05/2005, Finanças, p. C1

O aposentado Walter Vital Bandeira de Mello entrou em 1994 em uma agência do Bradesco na Barra da Tijuca para tirar um extrato de sua conta em um caixa automático. Um homem, que consertava uma das máquinas e teria se passado por funcionário do banco, ofereceu ajuda e tomou o cartão do aposentado. Bandeira de Mello, então com 71 anos, resistiu e houve confusão. O cartão magnético sumiu. Em dois dias, foram sacados de sua conta R$ 4.505,30, embora seu limite de saque fosse de R$ 200. Os saques indevidos, comuns na vida de quem já foi assaltado, transformaram-se em uma polêmica ação de indenização na 4ª Vara Cível do Rio. O processo chama a atenção por um fato inusitado: o Bradesco, maior banco privado do país, pede para que não seja aplicada a capitalização dos juros. Mais: em sua defesa, alega que o juiz, "adotando a pena de talião, quis fazer com que o banco (...) se sujeitasse ao mesmo desconforto a que se submetem seus devedores". Na ação judicial, os advogados de Bandeira de Mello pediram que fosse adotado como critério da indenização as taxas cobradas pelo banco no cheque especial. Ganharam em primeira instância. O Bradesco apelou e acabou perdendo novamente na Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por 22 votos a zero. A decisão está transitada em julgado, ou seja, não cabe mais recurso. Quem vai receber a indenização é Guilherme, filho do aposentado. Walter, o pai que teve o cartão furtado, morreu há dois anos. A polêmica agora é definir quanto o banco deve pagar. De 1994 até hoje, as taxas de juro do cheque especial foram altíssimas, variando de 8% a 13,5% por mês. Um estudo encomendado pelo próprio Bradesco ao ex-ministro da Fazenda Ernane Galvêas informa que, utilizando-se uma taxa média mensal de 10%, o valor da indenização chegaria a R$ 118,7 milhões em outubro de 2002. Aplicando-se apenas o mesmo critério de capitalização de juro (sem levar em conta a correção monetária), o valor alcançaria nada menos que R$ 2,278 bilhões em maio deste ano, segundo cálculos do Valor. No estudo, Galvêas defende que não deve ser adotado o critério de juros compostos para calcular a indenização. "O Bradesco não debitou nem cobrou quaisquer juros sobre o saldo devedor e, pois, não tem cabimento falar em ressarcimento de juro igual ao percentual cobrado pelo banco", afirma o ex-ministro. Se adotado o critério de juro simples, segundo ele, o valor da indenização seria de R$ 80.290,05 em outubro de 2002 - uma diferença, à época, de R$ 118,624 milhões. "Desse jeito, até o final do processo, o Bradesco vai ter que entregar o banco para pagar a indenização", afirma o advogado Marcelo Fontes, do escritório Sérgio Bermudes, que defende a instituição. O valor de mercado do banco é de R$ 39 bilhões, segundo dados da Economática a partir da cotação das ações preferenciais. Para Fontes, não há execução de banco contra devedores de cheque especial que chegue a valores tão expressivos. "Quando o banco não recebe, cobra o juro do cheque especial apenas por um tempo. Depois tem que baixar o crédito do balanço e executar o correntista. Na execução, a taxa é de 1% ao mês, sem capitalização", explica. Segundo ele, essa regra do sistema bancário visa evitar que o ativo da instituição seja inflado por um crédito que não vai ser recebido. Hoje, na prática, o banco pode cobrar juros de cheque especial durante 180 dias, de acordo com regra do Banco Central (BC). Depois, antes de executar o correntista, costuma renegociar o débito, com taxas mais baixas, porém mantendo a capitalização. Os advogados de Bandeira de Mello, o escritório Andrade & Fichtner, reconhecem as regras do BC, mas afirmam que elas não devem ser aplicadas ao valor pleiteado. "Foi adotado um critério de indenização para o crédito que o correntista tem a receber. Isso não tem nada a ver com anatocismo ou com o que o BC aplica aos bancos", diz Mauro Fichtner. Segundo ele, os cálculos apresentados pelo Bradesco estão "inflados" e são "terroristas". Para Fontes, Guilherme, filho de Walter, já teria "percebido" que a indenização com juros do cheque especial compostos é impagável. "Agora ele está tentando reduzir esse valor." O Valor apurou que a defesa de Bandeira de Mello enviou petição ao relator do processo no STJ, ministro César Ásfor Rocha, renunciando ao que excedesse 30% do montante calculado pelo ex-ministro Ernane Galvêas. Fichtner evitou comentar valores da indenização porque, segundo ele, apenas o Bradesco tem conhecimento das taxas que cobrou de seus clientes no cheque especial. Além da questão da capitalização dos juros, há uma discussão no processo sobre até quando o juro é devido, já que o Bradesco fez um depósito em setembro de 1999, a título de penhora, no valor de R$ 1 milhão. A cifra incluía o juro do cheque especial capitalizado até aquela data. Para o banco, o depósito interrompe a cobrança do juro, ainda que calculado de forma simples, porque o dinheiro está sendo remunerado em conta poupança. "Na pior das hipóteses, o banco tem que pagar os juros capitalizados até o momento deste depósito", diz Fontes. Para os advogados de Bandeira de Mello, não. "A execução só termina com o pagamento. Há um descompasso entre a remuneração da penhora e a condenação", afirma João Basílio, do Andrade & Fichtner. Apesar dos altos valores envolvidos no processo, os representantes do Bradesco dizem que estão tranqüilos porque o processo foi mal julgado e eles crêem que podem reverter a decisão sobre o cálculo da indenização. "Esse processo vai virar paradigma para todos os clientes." O banco entrou com uma ação rescisória no Rio de Janeiro, que foi negada. Ingressou com agravo de instrumento e com um pedido de efeito suspensivo da execução no STJ. Uma liminar do ministro César Ásfor Rocha impediu a execução e o STJ ainda tem que julgar a ação rescisória. A estratégia do banco, agora, é tentar convencer os ministros do tribunal de que, desde o início, a Justiça errou e não deveria ter concedido a capitalização dos juros. Chamado a dar parecer no processo, o subprocurador-geral da República, Antônio Carlos Pessoa Lins, manifestou-se contrário ao conhecimento do agravo de instrumento.