Título: Ambiente para investimentos continua piorando
Autor: Gustavo Loyola
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2004, Brasil, p. A-11

Nas últimas semanas, acumularam-se informações negativas sobre o clima para os investimentos privados no Brasil. Em particular, merecem destaque o Relatório sobre Desenvolvimento Mundial-2005, divulgado pelo Banco Mundial, e a pesquisa anual realizada pela empresa de consultoria A. T. Kearney junto a empresas potenciais investidoras. Em ambos os casos, há más notícias sobre o o país, crescentemente visto como um destino "complicado" para os investimentos, ainda que tendo enorme potencialidade econômica. O interessante documento do Banco Mundial aborda a necessidade de um esforço global para melhora do clima de investimentos nos países em desenvolvimento, como condição indispensável para o crescimento sustentado dessas economias e a eliminação da pobreza. Nesse contexto, o relatório analisa os resultados de ampla pesquisa sobre clima de investimento, realizada com 26 mil empresas em 56 países em desenvolvimento, incluindo o Brasil. Os resultados, com relação ao nosso país, são preocupantes, já que retratam um empresariado operando sob condições desfavoráveis e sujeito a riscos não necessariamente diretamente relacionado aos seus negócios. As empresas aqui estabelecidas apontaram que, no Brasil, os custos associados à dificuldade de cumprimento dos contratos, à corrupção e ao crime, à insatisfatória regulamentação e à infra-estrutura não confiável, montam a cerca de 15% de suas receitas totais, o que coloca o Brasil numa condição desfavorável quando comparado a países com economias assemelhadas. Especialmente preocupante é o fato de 40% das empresas pesquisadas terem manifestado falta de confiança nos tribunais brasileiros para defender o direito de propriedade. Ademais, a pesquisa do Banco Mundial mostrou que a legislação trabalhista brasileira está entre as piores do mundo, no que diz respeito aos custos infligidos à atividade empresarial, o mesmo ocorrendo com o nosso sistema tributário, que impõe uma carga excessiva sobre as empresas, quando cotejado com a estrutura tributária de outras economias emergentes. Por sua vez, o trabalho divulgado pela A.T.Kearney ilustra as conseqüências desse clima de investimentos negativo. Entre 2003 e 2004, o Brasil caiu de 9º para 17º lugar na classificação de preferências dos investidores estrangeiros, o que indica uma perda de competitividade da economia brasileira na captação de investimentos estrangeiros. Aponta-se como uma das causas dessa piora relativa do Brasil, a preocupação dos investidores com a questão regulatória, fato que obscurece todo o responsável esforço macroeconômico que caracteriza o governo do presidente Lula. Aliás, nessa mesma direção sinaliza a recém-divulgada queda do Brasil no ranking global de competitividade do World Economic Forum, da 54º para a 57º posição. O clima desfavorável aos investimentos no Brasil tem raízes histórico-institucionais e, por isso, não pode ser atribuído às políticas adotadas pelo atual governo federal. No entanto, a piora recente dos indicadores já pode em parte ser considerada um reflexo da atitude despreocupada de setores da administração pública com relação às questões microeconômicas, principalmente na esfera regulatória.

A piora dos indicadores já pode ser considerada reflexo da atitude de setores da administração em relação às questões microeconômicas

É certo que a melhora do clima de investimentos exige em muitos aspectos a realização de reformas que são politicamente morosas e complexas e que, na maioria dos casos, envolvem emendas à Constituição Federal. No entanto, a piora que se assiste, dia a dia, no clima de investimentos se deve freqüentemente a ações e omissões triviais dos agentes públicos, cuja correção dispensa complexas manobras políticas, mas demanda apenas a existência de uma consciência generalizada dos custos que a regulação estatal impõe sobre a atividade empresarial. A ausência de percepção entre causa e efeito de suas decisões sobre a economia é típica entre os operadores do direito. Freqüentemente se observam decisões judiciais, cujos custos sociais são bem maiores do que eventuais benefícios para alguma das partes envolvidas. Daí talvez a generalizada idéia de que o direito de propriedade não é respeitado no Brasil, conforme percepção capturada pela pesquisa do Banco Mundial. Mas a Justiça não está sozinha nesse particular. Com freqüência o Executivo faz a sua parte na destruição do respeito que se deve ter aos direitos contratuais, como quando patrocina uma legislação que lhe dá direito quase absoluto de modificar a seu bel prazer as regras do jogo em setores econômicos, cujo funcionamento depende fundamentalmente da regulação estatal. A propósito, a postura ideologicamente contrária à autonomia das agências reguladoras, embora crescentemente mitigada, continua como um ranço presente no projeto do marco regulatório patrocinado pelo governo e ora em exame no Congresso Nacional. Por outro lado, a postura intervencionista - e por isso prejudicial aos investimentos - marca o dia-a-dia do atual governo. A recente manifestação do ministro do Trabalho favorável à limitação das horas extras é tipicamente ilustrativa. Mesmo que não seja implementada, a mera declaração ministerial é mais um grão de areia a fazer pesar os riscos de mudanças nas regras do jogo para o setor privado. Declarações extemporâneas do presidente do BNDES sobre a "nova" política da instituição, destinada a fomentar o surgimento de conglomerados empresariais com puro sangue nacional em setores "estratégicos", são outro exemplo de dirigismo estatal, em que as empresas são vistas como títeres a serem manipulados pelo Estado. A continuar o atual estado de coisas, o país ficará condenado a viver de surtos efêmeros de crescimento, que transferirão para as calendas gregas a solução dos nossos graves problemas sociais. No entanto, a deterioração observada nas pesquisas recentes pode ser revertida, caso a administração Lula assuma, nas questões microeconômicas, uma postura nitidamente pró-mercado, deixando de lado veleidades intervencionistas datadas dos anos 50 e buscando obter do Congresso Nacional as necessárias reformas.