Título: Enfim, uma viagem relevante
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 18/05/2005, Brasil, p. A2

Com as visitas do presidente da República à Coréia do Sul e ao Japão, na próxima semana, a política externa terceiro-mundista do governo Lula pede licença para tratar de coisa séria, importante, produtiva. Segunda maior economia do planeta, o Japão acreditou no Brasil quando poucos países faziam isso. Tigre asiático, a Coréia do Sul, mesmo tendo nos sobrepujado em tamanho econômico, ainda é uma ilustre desconhecida para a maioria. Nos anos 70, os japoneses desembarcaram no Brasil com grande afã. Ajudaram a desenvolver o cerrado por meio do Prodecer (Programa de Desenvolvimento do Cerrado). "Se não fossem os japoneses, o cerrado seria um deserto", diz o embaixador Edmundo Fujita, chefe do Departamento de Ásia do Itamaraty. Por meio de associação com o capital japonês, a Vale do Rio Doce pôs de pé o projeto Carajás. Grandes empresas, como Albras-Alunorte, Cenibra, Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST), foram erguidas da mesma maneira. Nos anos 80, os japoneses e todos os credores do Brasil levaram dois tombos: em 1982, o início de atrasos no pagamento da dívida externa e, em 1987, a moratória unilateral do débito. Desde então, o Japão nunca mais foi o mesmo. Os burocratas e empresários que apostaram no país entraram em desgraça. Os que sempre duvidaram da nossa capacidade de ser uma nação séria passaram a reinar. Investimentos foram cortados e mesmo os laços emotivos que uniam os dois países foram deixados de lado. Nos organismos multilaterais de crédito, o Japão passou a adotar uma postura crítica, beirando à intolerância, em relação ao Brasil. Em outubro de 1998, quando a economia entrou em parafuso, atingida por forte crise de desconfiança, o governo brasileiro pediu socorro ao FMI. Nos bastidores do Fundo, o Japão bateu-se contra o pedido de ajuda e ainda conspirou com Inglaterra, Alemanha e Canadá para que o pacote não fosse aprovado. A ajuda acabou saindo graças ao poder de intervenção dos Estados Unidos, que, na ocasião, liberaram dinheiro do próprio bolso e impuseram à diretoria do FMI o maior empréstimo já concedido a um país. O episódio foi narrado em detalhes no livro "O Vexame", do jornalista americano Paul Blustein. "Com a crise da dívida, perdemos uma geração de fãs no Japão", atesta o embaixador Fujita, um neto de japoneses que imigraram para o Brasil.

Humor do Japão está mudando

É verdade que, nos anos 90, o Japão teve outras razões para permanecer desinteressado da economia brasileira. A principal delas foi a sua própria crise econômica. A outra foi o desenvolvimento dos vizinhos asiáticos, fato que lhes chamou a atenção e consumiu esforço de investimento. Por essa razão, os japoneses ignoraram as privatizações brasileiras. O humor do Japão em relação ao Brasil está mudando. E não é de agora - é bem provável que o presidente Lula diga que é por sua causa, mas, se ele aproveitar os ventos favoráveis para confirmar o interesse japonês pelo país, já terá muito o que comemorar. Desde 1996, ano em que o presidente Fernando Henrique Cardoso visitou o Japão, a Petrobras recebeu mais de US$ 5 bilhões em financiamentos do Japan Bank for International Cooperation (JBIC), o BNDES de lá. Os japoneses estão fazendo com a estatal de petróleo o que fizeram com a Vale nos anos 70. Dependentes de petróleo, acreditam que, incentivando a prospecção de óleo em países como o Brasil, a tendência dos preços a longo prazo é a estabilidade. Nos anos 70, a lógica valia para o minério de ferro. "O Japão acredita que o Brasil vai entrar para a Opep (o cartel do petróleo)", conta Fujita. Os japoneses são conservadores em matéria de negócios. Por isso, deve-se olhar com cautela a possibilidade de que eles venham a adicionar álcool, comprado do Brasil, à sua gasolina. Até o ano passado, não queriam nem ouvir falar nesse assunto, porque estão apostando no hidrogênio como fonte alternativa de energia. Na visita histórica que fez ao país em 2004, o primeiro-ministro Junichiro Koizumi visitou usinas de álcool e ficou impressionado, mas daí ao Japão passar a comprar etanol brasileiro vai uma distância muito grande. Os japoneses exigem, evidentemente, garantia de preço e abastecimento, e os produtores brasileiros não foram fornecedores confiáveis de álcool nem para o próprio mercado interno. Portanto, o importante, agora, é colocar o Brasil novamente no radar do Japão.