Título: José Dirceu arrisca-se e namora o perigo
Autor: Rosângela Bittar
Fonte: Valor Econômico, 18/05/2005, Política, p. A8

Sobre o excesso de poderes do ministro José Dirceu, não paira a menor dúvida. Todo mundo de dentro do governo sabe que os programas só andam quando ele dá o sinal verde; todo mundo do Congresso sabe que os cargos são preenchidos quando ele dá o aval; todo o mundo da política sabe que até no período recente de uma certa clausura, quando esteve abalado pela descoberta de corrupção no seu gabinete, o ministro não dispensou o aplomb e, pelo menos sobre o PT, continuou exercendo com vigor seu controle. Agora, este ministro retoma a desenvoltura perdida e ganha mais poderes ainda. José Dirceu está fazendo articulação política, independentemente de quem seja nomeado articulador; é o responsável pela coordenação administrativa do governo; e agora assumiu, abertamente, a coordenação da campanha de reeleição do presidente Lula. É exatamente aí que está o perigo. Na noite de segunda-feira, em uma entrevista no programa "Roda Viva", o ministro expôs com segurança a extensão do seu poder. Para contrapor-se aos seus detratores, disse que não manda em tudo, e deu um número para comprovar sua tese: na Casa Civil há "só" 32 grupos de trabalho em funcionamento e 21 grupos de trabalho já concluídos. O ministro tratou das minudências da área de saúde, como a farmácia popular, às da área de educação, como as bolsas de estudo do Pro-uni. Passou pela infra-estrutura, deu detalhes dos marcos regulatórios, falou de questões do setor elétrico e das telecomunicações, da política econômica, das inovações da política industrial, do Orçamento. Da habitação e do saneamento, às ferrovias e contratos de concessões de estrada e licitações para transposição do rio São Francisco, José Dirceu falou de tudo. Apresentando números, certamente preparados por aqueles minguados grupos setoriais de trabalho do seu gabinete. Este ministro, responsável pela formulação do fundo garantidor das parcerias público-privadas, que recebe empresários de diferentes ramos, empreiteiros, entidades e associações dos setores interessados em trabalhar com o governo, os mesmos que costumam financiar campanhas eleitorais, será o mesmo que, ao se autoproclamar coordenador da campanha de reeleição do presidente Lula, terá que atuar em todos os campos implicados nesta missão, inclusive o de viabilização financeira da reeleição. Não se está, aqui, levantando suspeitas ou pedindo mais hipocrisia e menos realidade na atuação do ministro. Mas apenas chamando a atenção para a necessidade de um mínimo de compostura e cuidado, para evitar desagradáveis fatos consumados. O José Dirceu que recebe a Odebrecht, por exemplo, é o ministro da Casa Civil que regulou o fundo garantidor das PPPs ou o coordenador da campanha da reeleição? No governo anterior a este, o primeiro em que vigorou a possibilidade da reeleição, Euclides Scalco, diretor geral de Itaipu, pediu demissão - recusou-se a pedir apenas licença do cargo -, para coordenar a campanha de reeleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O mesmo aconteceu com Eduardo Jorge, ministro que se demitiu da Secretaria Geral da Presidência para dedicar-se à direção do escritório de campanha.

Não se pede hipocrisia, apenas compostura

"São funções incompatíveis, não tem como diferenciar a conversa com o ministro ou com o coordenador da campanha se eles são a mesma pessoa", justifica Scalco. O governo Lula lida mal com denúncias de corrupção -há numerosos exemplos de ministros que foram ficando indefinidamente nos cargos quando seus nomes já estavam enxovalhados. Além disso, este governo também não evita os riscos mais evidentes. Ao contrário, o governo e seu partido de sustentação, o PT, acham algumas esquisitices muito normais. Por exemplo: Delúbio Soares, arrecadador de fundos para as campanhas do PT, freqüentou sempre com extremo desembaraço os gabinetes do Palácio do Planalto, fez viagens internacionais na comitiva do presidente em que também estavam empresários financiadores de campanhas. E foi sempre defendido por todos, até que explodiu o caso Porcão. Nesta churrascaria foi realizado um show, com renda para a construção da nova sede do PT, em boa parte patrocinado por um departamento do Banco do Brasil, dirigido pelo petista que ajudou Delúbio a arrecadar para as campanhas do partido. Até agora, o governo e o PT não viram problemas nesse tipo de ocorrência. Tomara que comecem a notar o perigo que ronda Dirceu. Macromania O Ministério da Educação não conseguiu, ainda, implantar completamente o Fundef, o fundo de desenvolvimento do ensino fundamental e valorização dos seus professores, do tamanho como foi concebido, um instrumento inovador de financiamento da educação, e já vai enviar ao Congresso um outro projeto, que institui o Fundeb, irmão gêmeo para o ensino médio do mesmo Fundef que não existe integralmente ainda por falta de recursos. O Ministério da Educação também não universalizou ainda o ensino fundamental, não conseguiu dar oito anos de escolaridade para todas as crianças de 7 a 14 anos, e está finalizando um projeto para aumentar em um ano a faixa de ensino obrigatório. As redes estaduais, municipais e particulares de ensino terão prazo de cinco anos para se adaptarem à norma e oferecer um ensino fundamental de nove anos, enquanto a rede federal, que não oferece educação básica, segue estabelecendo regras para os outros. A alegação principal é óbvia: nos países desenvolvidos é assim e oito anos de escolaridade não são suficientes. E não são mesmo. A questão é a maneira errática como o governo vai salpicando medidas aqui e ali, em um nível de ensino que claramente não é sua prioridade quando deveria ser a única prioridade educacional de qualquer governo no Brasil. Só a culpa explica a necessidade de sair anunciando ampliações e mudanças de nomes de programas sem que a etapa em vigor tenha sido realizada.