Título: Ministro reitera ameaça de quebrar patentes de remédios contra a aids
Autor: Assis Moreira e André Vieira
Fonte: Valor Econômico, 18/05/2005, Brasil, p. A2

O Brasil está disposto a quebrar a patente de remédios "se esse for o único caminho para garantir a manutenção de nosso programa de aids", advertiu ontem o ministro da Saúde, Humberto Costa, em discurso na Assembléia Mundial da Saúde, em Genebra. O ministro mostrou-se impaciente com o impasse nas negociações com os laboratórios americanos Merck, Abbott e Gilead envolvendo patentes de três medicamentos que representam 66% do valor dos anti-retrovirais importados. No discurso, o ministro disse que a garantia de acesso universal de anti-retrovirais no Brasil "enfrenta riscos para a sua sustentabilidade futura" devido aos preços cobrados e pelo uso crescente de novos medicamentos, em substituição aos antigos, produzidos localmente. Segundo Costa, o governo brasileiro teve de aumentar em 50% a previsão orçamentária para a compra de medicamentos para este ano, sobrecarregando "de maneira quase insuportável" as contas do Ministério da Saúde. A compra de medicamentos chega a R$ 900 milhões este ano, sendo R$ 720 milhões em drogas importadas. Outros R$ 90 milhões são gastos com importação de matérias-primas para a produção nacional. Em março, o ministério encaminhou o pedido de concessão de licenciamento voluntário para os três laboratórios. "Estamos em pleno processo de negociação para obter essa licença voluntária e ter, em um ano, a fabricação desses medicamentos no Brasil, com uma economia estimada em 50%", previu. Segundo fontes do Ministério da Saúde, um dos laboratórios já "negou enfaticamente" a demanda brasileira para conceder a licença, e as condições exigidas pelos outros dois grupos farmacêuticos são consideradas "insatisfatórias" por Brasília. O ministro não quis falar de prazo para tomar a decisão sobre a quebra das patentes. O diretor de comunicação corporativa do laboratório Merck Sharp & Dohme, João Sanches, disse que não há novidade nas conversas com o ministério. "Estamos negociando e existe sigilo nas conversações", disse ele, lembrando que o preço do efavirenz, uma das drogas retrovirais, já caiu 80% desde que entrou no coquetel de aids e representa hoje 10% do valor cobrado nos Estados Unidos. Sanches lembrou ainda que os recursos para aids no Brasil, que representavam 3,2% do orçamento da Saúde em 1999, caíram para 1,8% do orçamento, enquanto o número de pacientes atendidos no mesmo período dobrou. Não foram localizados porta-vozes da Abbott, fabricante do lopinavir/ritonavir, e da Gilead, fabricante do tenofovir, para comentar o assunto. Em Genebra, o Brasil e outros sete países formalizaram a criação da "rede de cooperação em tecnologia para produção de medicamentos e insumos para combater a aids", que vinha sendo negociada desde o ano passado. Os outros participantes são China, Rússia, Ucrânia, Tailândia, Argentina, Cuba e Nigéria. O Brasil espera obter no segundo semestre transferência de tecnologia da China para produção de matéria-prima e reduzir a dependência dos importados.