Título: A Vila Maria vota contrariada no 2º turno
Autor: Cristiane Agostine e Jamil Nakad Junior
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2004, Especial, p. A-12

"A Marta acabou as enchentes. Ela plantou coqueiros para quando chover e alagar tudo, o povo subir neles. Ela só vai ser boa para homossexual. Infelizmente, vou votar no Serra." O comerciante Paulo Gomes, 35 anos, é um dos 163 mil eleitores do bairro paulistano da Vila Maria. Na disputa em que Paulo Maluf alcançou o pior desempenho de sua história, a Vila Maria foi uma das duas únicas zonas eleitorais em que o ex-prefeito manteve os 20% obtidos em 2000. A outra foi a vizinha Jaçanã. Conhecido pela origem janista de seu eleitorado, em média mais velho que o da cidade - 21% da população têm mais de 50 anos (média municipal é de 17%), - a Vila Maria tornou-se o mais conservador reduto paulistano. Apesar da fama, Jânio Quadros teve, em 1985, uma votação inferior a de Celso Pitta, em 1996. A Vila Maria deu 49% a Jânio em 1985 e 53% a Pitta. No primeiro turno deste ano, o candidato do PSDB ficou com 48% dos votos válidos da região, o dobro da votação da prefeita Marta Suplicy, o que pode demonstrar a tendência do eleitor da Vila Maria, mesmo contrariado, optar pela candidatura tucana. "Sempre gostei de Maluf. Sou malufista de primeira. Todos meus amigos votam nele. Peguei essa mania de votar no Maluf em casa. Aqui, tem quatro pessoas que votam no Maluf e meu filho, de dois anos, se pudesse votaria nele", orgulha-se o autônomo Alexandre Soares Neves, 31, que tem menos tempo de vida que os 37 anos da carreira pública de Maluf. "Vou votar no Serra não porque goste dele. É para ir contra. Malufista não vota no PT. O PT não vai conseguir os votos dos que votaram em Maluf." O discurso antipetista da região subsiste, mas Marta é mais alvejada do que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Para ser sincero, não gosto da Marta. Só falta ela colocar a taxa de oxigênio", diz Neves. Abranda o discurso para falar do presidente: "Lula tem mais tempo e está um pouco melhor que FHC. Eu não votei nele. Lula fez até um trabalho legal e posso até votar nele para a reeleição".

"Vou votar no Serra não porque goste dele. É para ir contra. Quem é malufista mesmo não vota no PT "

A Vila Maria foi o reduto que Marta Suplicy escolheu para anunciar o projeto de lei para extinguir a taxa do motoboy, uma das principais críticas de Maluf no primeiro turno. A preocupação em cativar esse eleitorado explica por que os dois candidatos não evocaram o nome de Paulo Maluf no primeiro debate da TV Bandeirantes. Afastariam, por exemplo, o advogado Francisco de Assis Mendes Ribeiro, de 72 anos, que ainda está indeciso. Ribeiro descreve o ex-prefeito, como uma pessoa que "trabalha muito", "realiza obras" e "é competente". Chega mesmo a defender a gestão de Celso Pitta (1997-2000). "Pitta fez muita coisa, mas foi injustiçado pela mídia e pela oposição. Não tenho nada contra ele", diz o advogado, morador da Vila Maria há 64 anos. Foto: Rogério Pallata/Valor

O advogado Ribeiro: "Pitta fez muita coisa, mas foi injustiçado pela mídia" A pregação de Serra e Marta é pouco eficaz junto a eleitores como Jorge Luís Romeiro, 40, aposentado por um acidente que o deixou numa cadeira de rodas . "Ele rouba, mas você não vê um buraco na rua quando ele está no governo. Ele foi o único que eu vi fazer. Os outros prometem mas não fazem. Ele sempre foi meu candidato", diz o aposentado que está inclinado a anular o voto no segundo turno. Jeovane Soares de Melo, 55, é dono de um bar na Vila Maria. Declara-se malufista, mas dá a faixa de melhor político para Jânio Quadros. "Toda vez que Maluf se candidatar, vou votar nele. Mas para mim, o melhor político foi Jânio. A Vila Maria deve muito a ele. Ele botava ordem na casa", analisa o janista que diz entender pouco de política. "Seu" Jeovane diverte-se ao lembrar das extravagâncias do ex-presidente, que fazia visitas surpresas a repartições públicas e demitiu em massa funcionários públicos. "No balcão se ouve tudo. Eu não assisto horário político. Troco idéia, dou uma olhada no jornal", diz o comerciante. Para o segundo turno, diz não ter outra opção: "Marta, nem pensar. Vou ter que votar no Serra. Ele nunca foi prefeito, quem sabe mudará a situação. Já Marta, a gente sabe o que ela fez: taxa de iluminação, taxa do lixo, aumentou a taxa do comércio". A vendedora de 43 anos Ângela Maria Pereira é malufista, mas foi influenciada pelas pesquisas eleitorais. "Votei no Serra porque sabia que Maluf não ia ganhar. Não votaria na Marta e todos os clientes da minha loja falam que também não vão votar nela", diz a vendedora. Dona de uma loja de roupas para jovens Maria Aparecida Matos, 49, mora no vizinho bairro do Tatuapé, mas mantém seu comércio na Vila Maria. Declara que gosta da Marta, "como pessoa", mas não quer votar nela para depois escutar todo mundo falar: 'você votou nela e olha como está', como aconteceu com Lula". Sem Maluf na disputa, Maria Aparecida diz querer anular seu voto. "Marta fez muita coisa legal, mas criou muitos impostos e não se preocupou com a saúde. Toda vez que Maluf sair como candidato, voto nele, se não, voto nos mais fracos para nenhum ganhar." Quanto a escolher Serra no segundo turno, a comerciante hesita: "Não sei se Serra é bom. Ele é do mesmo partido que FHC, que vendeu empresas e deixou o país com desemprego. Pode ser que Lula mude. Marta fez muita coisa, mas foi num ano só".

"Toda vez que Maluf se candidatar, voto nele. Mas, para mim, o melhor foi Jânio. Agora vou ter que votar no Serra"

Embora tenham ganho licença para trabalhar como ambulantes na gestão Marta, Claudete Bradão, 50, e Jaidete Lisboa, 60, votaram em Serra no primeiro turno. Moradora da Vila Maria há 40 anos, Claudete é a típica eleitora personalista brasileira. Votou a vida inteira em Maluf, mas antecipou a previsão do embate do segundo turno e teclou 45 na urna dia 3 de outubro. "Marta fez uma boa gestão. Não foi ruim. Fez o bilhete único, mas nada importante para a saúde. Também tem muita taxa. Sempre votei no Maluf. Em todo lugar tem obra dele. Pra frente, posso votar no (governador Geraldo) Alckmin, mas Lula é um bom presidente." Já a companheira de trabalho Jaidete diz que migrou seu voto de Maluf para Serra, porque "viu que Maluf não ia ganhar". Foto: Rogério Pallata/Valor

A desempregada Antonia: "Quatro anos é pouco. Marta precisa dar continuidade" Com uma renda média de R$ 850, 35% inferior à média da cidade, o eleitor da Vila Maria se encaixaria no perfil de classe média baixa. A indefinição sobre o segundo turno, no entanto, atinge indistintamente pobres e ricos. Fernando Tamai, 58, dono de uma loja, ainda está indeciso. "Vou ver se voto no Serra; na Marta, não", diz o comerciante, que se considera malufista de carteirinha. João de Barros, 66, explica a fidelidade do voto. "Sempre votei no Maluf. É que nem time de futebol: é Maluf até morrer. Desde que comecei a votar, votei nele. Serra mostra boa intenção. No PT, não votaria jamais. Pobre depois que fica rico é aquela coisa. Isso tudo o que a Marta fez é vaidade. Beleza, só para mulher", analisa. Sem Maluf no páreo final, a desempregada Antonia José Boberg vai de Marta. Aos 53 anos, aproveita a oportunidade de fazer um curso de camareira pela prefeitura. "Acho que quatro anos é muito pouco para fazer tudo. A cidade é muito grande. Então é preferível votar na Marta para ela dar continuidade. Não tenho nada contra a Marta, mas até hoje nenhum prefeito cobrou essa taxa do lixo. As pessoas criticam isso, mas votam nela. Prova é que se dependesse disso, nem no segundo turno ela estaria." O comerciante Carlos Alberto Caleff, 43, diz que anulou seu voto no primeiro turno e que continuará a anular no segundo. O motivo? "O último que votei foi Jânio. Sou janista. Daí em diante, só anulei." Já o também comerciante Alexandre Henrique de Lorenzi, 40, e o contabilista Ari Maria de Melo, 41, votaram em Marta. Para Lorenzi, "está na hora de Maluf pendurar as chuteiras" e para Ari, que sempre votou em Maluf, a troca de voto se deu por que ele sabia que Maluf não ia ganhar. Albino Agôsta, de 72 anos, um pouco desiludido e sem ter a obrigação de votar, preferiu não comparecer. "A única vez que vi pobre ser alguma coisa foi com Lula. Alckmin é um bom administrador, mas é do mesmo partido de Fernando Henrique. São todos farinha do mesmo saco."