Título: Oposição consegue as assinaturas para CPI
Autor: Raymundo Costa e Henrique Gomes Batista
Fonte: Valor Econômico, 18/05/2005, Política, p. A6

A oposição conseguiu ontem, em tempo recorde, o número regimental de assinaturas para requerer a instalação de uma CPI do Congresso para apurar denúncias de corrupção nos Correios. Foram 38 autógrafos de senadores e 176 de deputados, até às 20h. Bastavam 27 no Senado e 171 na Câmara. Embora não tivesse se articulado ao longo do dia para impedir que seus aliados assinassem o requerimento, à noite o governo começou a reavaliar a situação. O PT está dividido: parte acha que o governo deve enfrentar e controlar a CPI mista; outra, que tudo deve ser feito para evitar sua instalação, como à época em que o ex-assessor da Casa Civil Valdomiro Diniz foi pilhado pedindo propina a um bicheiro. Hoje, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), pretende se reunir com o presidente da Câmara, deputado Severino Cavalcanti (PP-PE), para avaliar a situação. Renan tinha conversa marcada com os líderes para a noite de ontem, com o mesmo objetivo. O presidente do Senado disse que não será vanguarda nem da oposição nem do governo. Cabe a ele ler o requerimento e pedir a indicação dos integrantes da CPI mista, o que lhe dá ampla margem de manobra - pode, por exemplo, adiar a leitura do requerimento ou não nomear os integrantes da comissão, como prevê o regimento, caso os líderes não façam as indicações. A denúncia de que o PTB armara um esquema para cobrar propina nos Correios, sob o comando do presidente da sigla, Roberto Jefferson (RJ), dominou as atividades do Congresso. No Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu os líderes dos partidos aliados na Câmara e hipotecou solidariedade a Roberto Jefferson: "O Roberto Jefferson saberá agora quem é e quem não é amigo dele. Amizade de festa de casamento é fácil. Na hora das dificuldades é que se sabe quem é e quem não é amigo", disse Lula, segundo o relato dos líderes. À certa altura Lula virou-se para o líder do PTB, José Múcio Monteiro, e disse: "Diga ao Roberto que ele tem a nossa solidariedade. Para os parceiros, tem que se dar solidariedade. Ninguém pode ser condenado antecipadamente". Às 16h, o deputado Roberto Jefferson subiu à tribuna para apresentar sua defesa. "Não sou algoz, sou réu", disse Jefferson. O presidente do PTB disse que ele mesmo e a bancada do partido assinariam o pedido de CPI. Foi o bastante para que o número de assinaturas aumentasse nas listas. O PT, que até então pedia a seus deputados que aguardassem uma reunião da bancada, ficou sem argumento. No Senado, o líder do governo no Congresso, Fernando Bezerra (PTB-RN), também envolvido nas acusações, anunciou que iria assinar o requerimento. Jefferson distribuiu, antes de seu discurso, uma carta de Maurício Marinho, ex-diretor de Compras dos Correios, que foi filmado supostamente recebendo propina de empresários. Na carta - apresentada pelo deputado como prova de sua inocência -, Marinho assume inteiramente a culpa pelo recebimento dos valores e pede perdão a Jefferson e aos funcionários dos Correios. Enviado ao Congresso por Lula para acompanhar o discurso de Jefferson, o ministro Aldo Rebelo tentava convencer os congressistas que CPI é uma espécie de último instrumento, a ser acionado somente no caso de falharem o inquérito administrativo ou investigações do Ministério Público. A esquerda do PT assinou o requerimento, mas setores do campo majoritário, como José Eduardo Cardozo (PT-SP), diziam que iriam também subscrever o documento. Em sua defesa, Jefferson disse que dois ex-militares representantes da HHP do Brasil - subsidiária de uma empresa de software alemã - o procuraram para tentar mediar um acordo comercial com os Correios. Essa empresa teria vencido uma licitação de R$ 36,8 milhões, depois foi suspensa. Os representantes das empresas tentaram um encontro com Jefferson para que ele fizesse um acordo. Ele teria se negado. Após um pedido do senador Ney Suassuna (RN), líder do PMDB no Senado, Jefferson recebeu novamente os ex-militares, que teriam feito o mesmo pedido de intermediação. Os representantes da empresa teriam então afirmado que tinham uma fita gravada com as acusações. "Não procurei a polícia, não tomei nenhuma atitude na época pois achava que era um blefe". O líder do PFL no Senado, José Agripino (RN), afirmou que, mesmo com todas as assinaturas necessárias para a criação da CPI, teme que o governo articule alguma manobra para evitar as investigações. "Esse governo é ousado e pode ousar mais uma vez, temos que estar atentos", disse. Ele acredita, contudo, que desta vez o PMDB está menos disposto a tentar abafar a investigação, como fez na época da CPI dos Bingos, quando, mesmo com o total de assinaturas necessárias, ela não foi criada porque os partidos não indicaram os membros para a comissão. De acordo com os parlamentares, no entanto, essa é uma saída difícil, pois o regimento interno do Congresso é diferente do Senado e obrigaria o presidente da Casa a criar a comissão mesmo que ele tenha que indicar os nomes.