Título: Fragilidade política exibe ao país uma crise ética
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Fonte: Valor Econômico, 18/05/2005, Opinião, p. A10

O governo tem sérios problemas. É melhor que não os minimize. O desgaste de parecer enfraquecido perante a opinião pública, depois de sucessivas derrotas parlamentares, não é nada perto do preço que paga pelas mazelas dos partidos aliados. Já na sua origem, o Executivo petista lida com uma contradição fundamental, de ser o governo de um partido de esquerda em coalizão com a direita. O centro parlamentar foi esterilizado pela oposição, que gravita em torno do PSDB. Agora, Luiz Inácio Lula da Silva deve encarar o fato de que seus aliados de ocasião jogam para as costas do governo o preço político dos vícios do sistema partidário tradicional: o clientelismo, o favor e a corrupção. Premido pela necessidade de maiorias, o Planalto faz acordo nos termos tradicionais, usando as armas do clientelismo e dos favores, que condenava. Consegue maiorias difusas e vira refém de um jogo político movido a chantagens: o governo ameaça os partidos com demissões e os "aliados" o chantageiam com votos contrários no Congresso, se não ceder mais espaço em cargos de primeiro e segundo escalões - ou se, simplesmente, não acobertar os seus pecados. Nessa queda de braço, o Planalto ganha uma, perde outras. O país só perde, com o espaço aberto à corrupção e com as incertezas políticas advindas da dúvida que fica no ar: o governo escolhido nas urnas é, afinal, honesto ou não? O Executivo, por seu lado, vira alvo constante de chantagens abertas ou veladas. Um exemplo disso é o próprio presidente do PTB, Roberto Jefferson (RJ). Denunciado pela revista "Veja", no final de semana, como um dos beneficiários de um esquema de corrupção nos Correios, onde mantém nomeados, exigiu proteção do governo. Lembrou que defendeu o ministro José Dirceu, quando das denúncias contra o seu assessor Waldomiro Diniz. O deputado estadual Campos Machado, um dos vice-presidentes do partido, foi mais claro: o Planalto tem que proteger Jefferson porque o partido defendeu Dirceu "em situação muito mais grave". A precariedade dessa aliança não pára em Jefferson. Outro presidente de um partido aliado, Pedro Corrêa (PP), foi denunciado no relatório final da CPI que investigou a pirataria. Eram enormes as evidências do seu envolvimento com o contrabandista Ari Natalino da Silva e seu nome chegou a figurar num cronograma do crime feito pelo relator. A questão foi parar na Comissão de Ética Parlamentar e providencialmente arquivada no começo do mês - depois, portanto, que o pepista Severino Cavalcanti assumiu a presidência da Câmara. Corrêa, para quem não se lembra, fez de Cavalcanti seu ventríloquo por ocasião da reforma ministerial que não houve, ameaçando o governo com toda ordem de dificuldades caso não fosse agraciado com um ministério. E tem o PMDB. O pedaço do partido que apóia o ministro Romero Jucá (RO) - uma das alas, que nunca se junta à outra - ameaça retaliar o governo caso "abandone" o ministro, cravejado por denúncias quase diárias de improbidade administrativa e mau uso de dinheiro público. O mesmo PMDB do Senado - teoricamente o que apóia Jucá - derrotou o candidato da ministra Dilma Roussef à Agência Nacional do Petróleo. A derrota foi fruto de uma "rebelião" provocada pelo senador Valdir Raupp (RO). O senador foi governador de Rondônia e, em fita gravada pelo atual, Ivo Cassol (PSDB), divulgada pela "TV Globo" no domingo, foi citado por um deputado estadual como um antecessor que mantinha um esquema de propina em conjunto com os parlamentares. Este mesmo Raupp, no Senado, derrotou José Fantine porque queria para si o direito de indicar o diretor-geral da Eletronorte. Fogo amigo é isso. O resto é conversa. Mas o Legislativo que não se imagine imune aos desgastes que tenta transferir ao governo. A instituição está em descrédito. Da última vez que aconteceu isso, logo após o impeachment de Collor, teve que cortar na própria carne: a CPI do Orçamento desnudou um esquema entranhado no Legislativo, cassou parlamentares e prometeu transparência. O Congresso está novamente em crise ética e contamina o governo e o país. O governo também deve assumir suas culpas. Curvou-se a chantagens - inclusive para evitar a apuração das denúncias envolvendo Waldomiro Diniz, então assessor do ministro José Dirceu. É melhor zerar o jogo: apure-se todas as mazelas, do governo e de seus aliados, livre-se das chantagens e restitua-se às instituições a compostura.