Título: Uma economia mais dinâmica
Autor: Martin Wolf
Fonte: Valor Econômico, 18/05/2005, Opinião, p. A10

Até mesmo observadores casuais já terão percebido que há algo podre no estado econômico do núcleo da Europa: a recuperação cíclica atual é excepcionalmente fraca, o desempenho da produtividade básica é decepcionante e as divergências entre as economias da zona do euro estão se avolumando de forma cada vez mais preocupante. Os franceses, mesmo assim, discordam apenas sobre se um "oui" ou um "non" à Constituição européia poderá proteger os seus cidadãos de forma mais satisfatória do "ultra-liberalismo" e Franz Muntefering, presidente do SPD, no poder, descreve os investidores que desejam retornos elevados como "gafanhotos". Na Itália, o premiê Silvio Berlusconi troca a retórica pela ação. Os deuses enlouquecem os que desejam destruir. Klaus Regeling, do conselho para assuntos financeiros e econômicos da Comissão Européia, observa que, em recuperações anteriores da zona do euro, a taxa média de crescimento econômico na comparação entre trimestres foi de 0,7% durante o primeiro ano e meio. Desta vez foi de apenas 0,4%. Mais uma vez, a Conference Board, o instituto de pesquisas corporativas com sede nos EUA, assinala que a produção por hora aumentou de forma consideravelmente mais lenta na "velha Europa" (os 15 membros da União Européia antes da ampliação) que nos EUA desde 1995. Partes desse desempenho pálido podem ser cíclicas, porém não todas. Finalmente, algumas economias estão aos trancos e barrancos. As economias importantes com pior desempenho durante a recuperação foram a Holanda, cujo crescimento trimestral médio foi de 0,3%, e Itália e Alemanha, cuja média de crescimento trimestral foi de apenas 0,2%. A Holanda teve forte expansão antes da mais recente desaceleração econômica. Alemanha e Itália, não. No primeiro trimestre de 2005, a Alemanha surpreendeu pelo lado positivo, com crescimento trimestral de 1%, puxado por exportações robustas. Mas a Itália confirmou o seu papel de retardatária: o Produto Interno Bruto encolheu em 0,5%, depois de um declínio de 0,4% no último trimestre de 2004. A Itália também está próxima do fundo do poço em produtividade (apesar de o desempenho da Espanha ser ainda pior). Entre 1995 e 2004, sua produção por hora cresceu a um nível desprezível de 0,5% ao ano. Esse resultado foi muito pior do que a média de 1,5% da UE de 15 membros, que por sua vez estava muito atrás dos 2,5% dos EUA. Durante o mesmo período, a Alemanha obteve 1,8% ao ano, a França, 2,1%, e o Reino Unido, 2%. As discrepâncias no desempenho da produtividade e no comportamento salarial geraram enormes discrepâncias de custo. A taxa de câmbio efetiva real da Alemanha depreciou-se em cerca de um sexto ante a taxa da Itália desde 1999. Por outro lado, o volume de exportações de bens e serviços da Alemanha aumentou a uma taxa impressionante de 47% entre o primeiro trimestre de 1999, quando o euro foi lançado, e o fim do ano passado. A Alemanha supostamente não-competitiva é a maior exportadora do mundo. Enquanto isso, o volume das exportações da Itália cresceu em meros 12% durante o mesmo período e estagnou após 2001. Quando a demanda interna da Alemanha começar a se recuperar mais uma vez, sua economia provavelmente apresentará bom desempenho. Os desafios da Itália são bem maiores. Um excelente estudo elaborado pela Comissão Européia afirma que o fraco desempenho das exportações da Itália é função não só do fraco desempenho da produtividade, mas também de uma especialização desfavorável. A Itália continua especializada na fabricação de produtos de tecnologia relativamente baixa, como mobiliário, revestimentos, têxteis e sapatos, todos eles vulneráveis à concorrência vinda de fornecedores com baixos salários, sobretudo a China. Análises indicam que a especialização desfavorável da Itália reflete uma concorrência interna inadequada, demonstrada por meio de um fraco setor de serviços e por mercados de capitais não desenvolvidos, uma educação de qualidade relativamente baixa e uma falta de poder de atração para a entrada de fluxos de investimento direto estrangeiro (IDE). O índice de IDE total em relação ao PIB é de cerca de metade do obtido na Alemanha ou França. A Itália ainda se apóia no capitalismo familiar: simplesmente veja quem é seu premiê.

Os políticos que cultivam a retórica populista traem suas responsabilidades perante seus povos, seus parceiros e o mundo

A Itália poderá estagnar por anos em meio à sua luta para restaurar a competitividade perdida sem o tradicional remédio de uma desvalorização. Suponhamos que a economia real crescesse a uma taxa de apenas 1% ao ano e que a inflação também estivesse em 1%, enquanto a competitividade se recuperasse lentamente. O déficit fiscal precisaria cair para abaixo de 2,4% do PIB se a taxa de dívida pública em relação ao PIB permanecesse no já perigosamente alto nível de 120%. Se os déficits fossem maiores, como facilmente poderiam estar em um ambiente de crescimento muito baixo, a taxa de endividamento poderia aumentar ainda mais. Se os mercados financeiros reconhecessem o perigo, as margens das taxas de juros sobre os títulos italianos poderiam dar um salto, aumentando a pressão fiscal. Equivaleria a caminhar sobre corda bamba. Se a Itália caísse, isso poderia provocar uma crise financeira que poderia ameaçar não só a Itália, mas até mesmo a zona do euro expandida. O que tudo isso significa? Fazer a economia da zona do euro funcionar melhor não é um luxo. É uma necessidade. Em primeiro lugar, a demanda agregada precisa crescer em ritmo mais acelerado. Entre o último trimestre de 2000 e o último trimestre de 2004, a demanda nominal cresceu em apenas 3,7% ao ano. Isso é lento demais. O Banco Central Europeu poderia ter promovido (e deve promover agora) uma política monetária mais agressiva. Segundo, todas as economias, mas particularmente as de maior porte, precisam promover as reformas que tornarão as suas economias mais flexíveis, eficazes e produtivas. Por último, são as economias mais fracas as que devem se empenhar mais. Para seu crédito, as empresas alemãs, os trabalhadores e, em escala menor, embora não desprezível, o governo alemão, tomaram providências para remediar a perda de competitividade do país após a reunificação. O mesmo não se aplica à Itália. Se um país de tamanho porte não consegue recuperar a sua competitividade, porém, ele se arrisca a sofrer - e a impor - uma crise econômica, social e política. A zona do euro é um esforço coletivo que requer responsabilidade coletiva. O tempo para desculpas expirou. O mundo precisa de uma zona do euro mais dinâmica. Assim o exigem os povos da própria zona do euro. Os políticos que, pelo contrário, cultivam a retórica populista, estão traindo as suas responsabilidades perante seus povos, seus parceiros e o mundo.