Título: Potências digitais dependem de Taiwan
Autor: Bruce Einhorn BusinessWeek
Fonte: Valor Econômico, 18/05/2005, Especial, p. A12

Quer encontrar o centro oculto da economia mundial? Siga pela rodovia Sun Yat-sen, em Taiwan. É por ela que você chega às companhias que conectam os vastos mercados e as potências digitais dos EUA com os enormes centros de fabricação da China. A Sun Yat-sen é tão agradável quanto qualquer rodovia interestadual americana, mas é a rodovia da globalização. Ela serpenteia pela costa oeste de Taiwan, mas o principal trecho de 70 quilômetros começa em Neihu, um novo distrito em crescimento em Taipé, cheio de edifícios high-tech, e termina em Hsinchu, lar de duas das melhores universidades do país. Ao longo do caminho, a Sun Yat-sen leva a algumas das mais importantes - mas anônimas - companhias de tecnologia do mundo: Asustek Computer, de cujas fábricas na China saem os iPods e Mac minis da Apple; e Quanta Computer, maior fabricante de notebooks do mundo e grande fornecedora da Dell e da Hewlett-Packard (HP). Você também vai ver a Taiwan Semiconductor Manufacturing, a maior fundição de chips do planeta, e uma parceira importantíssima de companhias americanas como a Qualcomm e a Nvidia. Juntas, as receitas das 25 maiores empresas de tecnologia de Taiwan devem atingir US$ 122 bilhões este ano. O sucesso de Taiwan é também o sucesso da China. Não se sabe ao certo quanto das exportações de hardware de informação e comunicação chineses são feitas em fábricas de Taiwan, mas as estimativas vão de 40% a 80%. Foto: Associated Press

Engenheiro manipula lâmina de silício na fábrica de chips Taiwan Semiconductor Manufacturing Company Cerca de 1 milhão de taiwaneses vivem e trabalham na China continental. "Toda a capacidade de produção da China é revestida com a experiência administrativa e de marketing dos taiwaneses, junto com todos os seus contatos no mundo", observa Russell Craig, a consultoria Vericors. É impressionante. Mesmo assim, para muita gente de todo o mundo, Taiwan evoca apenas uma coisa: o impasse entre a República Popular da China, que considera a próspera democracia como apenas uma províncias rebelde, e o presidente de Taiwan, Chen Shui-bian, que não faz segredo de seu sonho de independência. Uma guerra entre Taiwan e China seria catastrófica em termos humanos. E para as companhias ocidentais que construíram suas fortunas ao redor de Taiwan, as conseqüências seriam um golpe direto na economia global e na era digital. "Seria o equivalente à explosão de uma bomba atômica", diz um alto executivo de uma gigante high-tech americana. Mas a indústria dos EUA não poderia desenvolver fontes de oferta de Tecnologia da Informação (TI) que não envolvessem os taiwaneses? "É como perguntar 'qual a alternativa para o petróleo do Oriente Médio?'", afirma o executivo. "Você pode até descobrir, mas vai custar muito." Isso não impede Taiwan e China de serem extremamente pragmáticos. A Taiwan corporativa não perdeu o passo. A fabricante de PCs Acer, por exemplo, aumentou suas vendas em 40% em março; seus modelos estão entre os cinco mais vendidos no mundo. A Dell e a HP vão comprar, respectivamente, US$ 10 bilhões e US$ 21 bilhões de Taiwan este ano, segundo a consultoria TRT Research, de Chicago. A Apple aumentou sua carteira de pedidos para US$ 5 bilhões, 28% a mais que em 2004. A Quanta anunciou uma parceria com o Massachusetts Institute of Technology (MIT) para pesquisar a próxima geração de computadores. Apesar de uma queda cíclica afetando os lucros, a TSMC embarcou num esforço de US$ 2,6 bilhões para a produção de um número jamais visto de chips personalizados. Em comparação a um fabricante de chips mais especializado, como a Intel, "temos um número de produtos até cem vezes maior", diz o principal executivo e presidente do conselho de administração da TSMC, Morris Chang.

A China poderá até ameaçar Taiwan como a maior provedora de TI. Mas, por enquanto, são os engenheiros taiwaneses que fornecem as soluções engenhosas para resolver problemas de produção e de design. "Em Taiwan, as pessoas dizem que o entendimento da terceirização nos EUA é atrasado", diz Victor Zue, diretor-adjunto do Laboratório de Ciências da Computação & Inteligência Artificial do MIT. A indústria de alta tecnologia da ilha teve que se aprimorar muito para chegar onde chegou. Dez anos atrás, Taiwan fazia componentes ou montava máquinas projetadas em outros países. Era só um concorrente marginal em segmentos mais lucrativos da indústria eletrônica. Hoje, suas empresas são cada vez mais especializadas em design original e dominam a fabricação em categorias importantes. Nas telas de cristal líquido, os taiwaneses já superaram os japoneses e rivalizam com os coreanos. Taiwan está na frente em roteadores, notebooks e modems a cabo. A indústria de PCs "realmente já se consolidou em Taiwan", diz John A. Antone, presidente da Intel para a região da Ásia-Pacífico. A Intel tem 400 engenheiros trabalhando em Taiwan. "É onde a melhor engenharia está sendo feita." Como é que Taiwan faz isso? Salários menores ajudam. "Os custos de engenharia em Taiwan são de cerca de um terço do custo nos EUA", diz Kai Hsiao, diretor global de aquisições para a China da HP. As fábricas de Taiwan da China continental apresentam salários médios mensais de US$ 120 em uma linha de montagem. Mas a vantagem de Taiwan vai bem além da mão-de-obra barata. A ilha combina cultura empreendedora com envolvimento eficiente do governo. O Industrial Technology Research Institute (ITRI), de Hsinchu, é uma coleção de laboratórios do governo trabalhando de perto com empresas locais. Ele tem 4.300 engenheiros se esforçando para igualar o melhor que o Ocidente, o Japão e a Coréia do Sul têm a oferecer em campos como microeletrônica e optoeletrônica. O ITRI tem alianças com cientistas do MIT, da Universidade da Califórnia e da Carnegie Mellon University nos EUA. Companhias como a TSMC e a concorrente United Microelectronic têm suas origens em tecnologias do ITRI. O resultado é uma das maiores reservas de talentos em alta tecnologia do mundo. Começa com pessoas como Chang, que esteve presente na criação da tecnologia taiwanesa. Ande pela Fab 12, a fábrica da TSMC em Hsinchu que custou bilhões de dólares, e você verá um retrato gigante do presidente do conselho de administração sentado em uma poltrona, com um cachimbo na mão.

Taiwan espera controlar design e inovação e transferir grande parte de sua capacidade de produção para a China "

Rodeando o retrato estão cenas de sua vida - quando criança em Hong Kong, quando estudante em Harvard, e como presidente da TSMC na estréia da companhia na Bolsa de Valores de Nova York. Mas Chang, 73 anos e cabelos brancos, ainda não terminou. Ele ainda trabalha duro para superar as concorrentes em Taiwan, como a UMC, e em Xangai, como a Semiconductor Manufacturing International Corp. (SMIC). Chang e outros líderes tecnológicos combinam valores ocidentais - Chang teve aulas de artes em Harvard, antes de estudar engenharia mecânica no MIT - com a cultura asiática. Num minuto Jonney Shih, fundador da Asustek, está discutindo as melhores práticas do sistema de qualidade Sigma Six; no minuto seguinte, ele estará evocando a serpente Changshan descrita em "A Arte da Guerra", de Sun Tzu. Quando atacada em uma ponta, a serpente contra-ataca com a outra. "Nós precisamos desse tipo de reação rápida", diz Shih. Os reflexos apurados de taiwaneses como Shih fazem toda a diferença. Ao contrário da Coréia, onde a Samsung e a LG dominam, Taiwan é formada por empresas menores e mais ágeis. Quando as companhias taiwanesas ficam grandes demais, elas tendem a se desmembrar e mudar o foco. Daí em 2001 a fabricante de computadores Acer ter originado a BenQ, uma companhia de produtos eletrônicos de consumo, e a AU Optronics, uma fabricante de telas de cristal líquido. As casas de design de chips de Hsinchu, desmembradas da UMC, incluem a MediaTek e a Novatek, uma projetista de chips para telas de cristal líquido. Algumas das companhias de tecnologia mais importantes de Taiwan também vêm crescendo adquirindo tecnologia de outros países. A Chi Mei Optoelectronics licenciou a tecnologia de fabricação de telas de cristal líquido da Fujitsu e contratou grandes engenheiros para criarem o resto do conhecimento necessário para que ela se torne uma produtora líder de telas de cristal líquido. Todos esses negócios se sobressaem nos serviços aos clientes corporativos. Dezoito meses atrás, depois que a Intel fez uma grande aposta no Centrino, o sistema de internet sem fio para PCs notebooks, a companhia americana procurou um sócio que pudesse colocar rapidamente no mercado os computadores com o sistema. Então a Intel juntou-se a engenheiros da Acer. Em três meses, afirma o principal executivo da Acer, J.T. Wang, eles não só criaram um notebook Centrino de ponta, vendido com a marca Acer, como também PCs medianos e até para pessoas que nunca tiveram um computador, usando a nova tecnologia da Intel. As companhias taiwanesas fazem de tudo para satisfazer os clientes. Quando a Quanta estava trabalhando pela primeira vez no que prometia ser um novo e sensacional design para um cliente, ela teve que fazer o trabalho em sigilo absoluto. Outras companhias taiwanesas combinam discrição com a capacidade de atender até mesmo o menor dos pedidos. Hsiao, da HP, diz que chega a formular pedidos de dez PCs com configurações especializadas. Os taiwaneses podem processar e embarcar um pedido desses em 48 horas. "Eles podem mudar de direção da noite para o dia", diz Hsiao. Esse conjunto de idéias e atitudes do tipo tudo-o-que-for-preciso, vem fazendo empresas de Taiwan a se mudarem para a China continental em uma velocidade surpreendente. Problemas de lealdade não entram na equação. Wang, o principal executivo da Acer, recentemente perguntou a seus próprios fornecedores taiwaneses se, como bons cidadãos, eles manteriam alguma produção em Taiwan. "A resposta deles foi: De jeito nenhum." Os taiwaneses também desempenham um papel vital para os concorrentes na China continental. Liu Chuanzhi, presidente do conselho de administração da Lenovo, que acaba de concluir a compra da divisão de PCs da IBM, diz que a companhia compra componentes de empresas taiwanesas. Segundo a THT Research, a Lenovo até mesmo compra notebooks da Quanta, Compal e MiTAC. Liu diz que o mais importante de tudo é que são os taiwaneses que realmente desenvolvem a indústria de semicondutores da China. Empresas chinesas como a SMIC dependem de executivos taiwaneses para o know-how. Na verdade, Taiwan espera controlar o design e a inovação e transferir grande parte de sua capacidade de produção para a China. Hoje, quando as companhias americanas vão para Taiwan elas dizem: "Isso é o que nós queremos. Vocês têm?", afirma Billy Ho, presidente da MiTAC, que fabrica assistentes pessoais digitais (PDAs). Cada vez mais os taiwaneses têm. Dois anos atrás, a MiTAC decidiu fazer um upgrade nos PDAs que vende com sua própria marca, assim como sob diferentes nomes na Europa. Em discussões com a equipe de vendas, Ho relembrou como ele ficava aturdido com o desenho das ruas de Birmingham, quando morou no Reino Unido. Um PDA com GPS, o sistema global de posicionamento por satélite, foi a resposta. Hoje, a MiTAC é a terceira do mundo em PDAs. Os taiwaneses sabem o quanto eles são bons nessas inovações. Mas eles também sabem que estão sendo espremidos nos preços, ao mesmo tempo em que sofrem uma inexorável pressão para serem mais criativos. "As margens também vêm chamando atenção no negócio de PCs porque os produtos se tornaram bastante commoditizados", diz Michael Marks, principal executivo da Flextronics. As margens líquidas da Asustek caíram de 19% em 2001 para 6,4%. O lucro líquido em 2004, de US$ 484 milhões, foi 7% menor que o resultado de 2001, embora as vendas tenham quase triplicado no mesmo período. A Quanta e a Compal também estão sofrendo com a queda das margens de lucro, apesar do crescimento das vendas. Alguns analistas também se perguntam por quanto tempo os taiwaneses terão a vantagem nos chips. "Acho que Taiwan não está mais no banco do motorista", diz James C. Mulvenon, co-autor de um estudo de 2004 da Rand Corporation sobre as indústrias de chips de Taiwan e da China, que conclui que os fabricantes de chips europeus e japoneses fornecerão à China a tecnologia que os taiwaneses se recusam a compartilhar. Uma saída é encontrar novos mercados. "Precisamos pegar a nova onda de produtos", diz Ray Chen, presidente da Compal. "E ela pode ser as TVs, celulares, centros domésticos de mídia digital. Ainda não sabemos". Para fazer isso melhor, a Compal planeja dobrar sua equipe de desenvolvimento. A outra maneira que Taiwan tem de permanecer na frente é criar suas próprias marcas e manter margens sólidas proporcionando desempenho e design melhores. No coração do esforço que Taiwan está fazendo para se reinventar está o ITRI, o instituto de pesquisas do governo. Ele está envolvido em tudo, de novas redes de telefonia sem fio a nanotubos que fornecem luz de fundo para telas. Também tenta mesclar as ciências naturais com as ciências sociais. Taiwan tem muito com o que se preocupar, mas é conhecida por sua resistência. John Antone da Intel compara Taiwan a maratonistas que estão sendo desafiados e mesmo assim continuam na liderança. "Enquanto eles estiverem dispostos a correr com muita agressividade", diz ele, "não vejo ninguém capaz de alcançá-los".