Título: BNDES fecha acordo para Ferronorte
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2004, Empresas & Tecnologia, p. B-1

O governo, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), fechou um pacote de reestruturação financeira da Brasil Ferrovias, holding controlada pelos fundos de pensão Funcef (da CEF) e Previ (Banco do Brasil) que detém a concessão de três das principais ferrovias do país e acumula dívida superior a R$ 1,6 bilhão com o banco. A operação envolve aporte de recursos novos por parte do BNDES e de Previ e Funcef para investimentos, e capitalização de parte dos créditos que o banco tem com a Ferronorte - que, sozinha, responde por R$ 1,5 bilhão do total. Com a operação, o BNDES passará a deter 31% do capital da Ferronorte, ferrovia criada pelo empresário Olacyr de Moraes, do grupo Itamarati, mas que não conseguiu levar a obra adiante porque entrou em crise financeira. O banco foi o principal financiador do projeto, que corta os Estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso e é interligado ao porto de Santos pelos trilhos da Ferroban (antiga Fepasa). Pela modelagem financeira, o BNDES, segundo informação de uma fonte do banco e confirmada pela direção da companhia, vai aportar R$ 150 milhões em dinheiro novo, que será transformado em capital, e vai converter em ações R$ 249 milhões de seus créditos na Ferronorte. Os novos recursos, por exigência do banco, têm destino certo: aplicação no trecho paulista da linha e na compra de vagões e locomotivas para tornar a Ferronorte mais eficiente no transporte da safra futura. De acordo com Guilherme Lacerda, presidente da Funcef e do conselho de administração da Brasil Ferrovias, o banco exigiu, em negociações, segundo ele "duras", uma contrapartida dos dois principais acionistas na operação. Assim, Funcef e Previ vão injetar na holding R$ 120 milhões de recursos novos - 50% cada uma. Esse dinheiro, informou o dirigente, será todo destinado à recuperação da Novoeste, ferrovia que vai de Bauru (SP) até Corumbá (MS). Ela está investimentos antes da privatização e depois de transferida aos novos donos em 1996. "Esse é o valor necessário para recuperar de vez a Novoeste e torná-la apta a atender a demanda de cargas da região." Os dois fundos e outros acionistas (menos a Constran, de Olacyr) também deverão converter em ações debêntures da Ferronorte e de outras empresas da Brasil Ferrovias (Novoeste, Ferroban e da própria holding). O valor chega a R$ 116 milhões, informou Lacerda. De acordo com o protocolo de compromissos que deverá ser assinado nesta semana, em Brasília, a Brasil Ferrovias, com o saneamento financeiro, compromete-se a fazer investimentos de R$ 1,6 bilhão entre 2005 e 2009 nas três ferrovias. Os estudos do banco apontam a necessidade desse valor para modernizar e ampliar a frota de transporte das três estradas-de-ferro das. Em 2005, a estimativa é que será preciso comprar 70 locomotivas e 1,5 mil vagões para atender a safra a partir de fevereiro, com valor de R$ 300 milhões Outra exigência do BNDES é que a Ferronorte abra seu capital com o lançamento de ações no Novo Mercado no prazo de três anos. É a forma de abrir uma porta para que o banco saia ou reduza sua participação no capital da empresa. Cada fundo tem, hoje, 20,69% das ações ordinárias da holding, na estrutura atual. Constran, Laif, Bradesco, BRP Ferronorte e JP Morgan são acionistas minoritários. A Brasil Ferrovias, por sua vez, detém mais de 95% do capital da Ferronorte. Depois da reestruturação financeira, o BNDES terá quase um terço. A operação contou com a assessoria da Angra Partners. A ajuda financeira do governo dá solução a um dos maiores passivos do setor de infra-estrutura. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já deu aval à operação. A definição final do pacote sairá de reuniões, entre hoje e quinta-feira nos ministérios dos Transportes e do Planejamento. O anúncio será feito nesta semana. "O BNDES desenvolveu uma modelagem de reestruturação econômico-financeira e os acionistas se dispõem a capitalizar a Brasil Ferrovias, dando uma indicação de que todos acreditam no futuro das ferrovias", disse o secretário-executivo do Ministério dos Transportes, Paulo Sérgio de Oliveira Passos. "O projeto de reestruturação está pronto", acrescenta, ressaltando que pequenos ajustes poderão ser feitos nos próximos dias. A preocupação do presidente Lula com o escoamento da próxima safra agrícola acelerou os entendimentos para esse acordo, relatou o secretário. O Palácio do Planalto teme problemas de logística para levar a produção aos portos. Lacerda, da Funcef, tenta tranqüilizar o governo. Depois da operação de saneamento financeiro, a Brasil Ferrovias prevê transportar oito milhões de toneladas de soja em 2005. Também fechou contratos para transporte de álcool e açúcar. Em 2004, está carregando 6,5 milhões de toneladas de soja. O novo acordo ficará condicionado à anuência dos órgãos reguladores do setor, como a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), com a qual o BNDES vem se entendendo. "O banco leva ao governo a reestruturação de braços dados com a ANTT", diz Lacerda. "Todos tiveram de aderir." "As fontes de recurso ainda estão em aberto e a expectativa do banco é que, no período 2005-2009, a Brasil Ferrovias reverta o atual processo e passe a gerar receita, podendo arcar com parte dessa receita", observou uma fonte do BNDES. Na avaliação do banco, das três ferrovias a que está em pior estado é a Ferroban. A Ferronorte está em melhores condições, apesar da dívida maior. A modernização operacional dessas empresas será necessária para a implantação dos dois corredores ferroviários a serem criados pela Brasil Ferrovias: um de bitola larga, de Alto Araguaia (MT) até o porto de Santos; e outro, de bitola estreita, que ligará Corumbá (MS) a Santos (por meio da Novoeste). Outro compromisso é a retomada do trecho de 262 quilômetros entre Alto Araguaia e Rondonópolis, em Mato Grosso. A engenharia financeira da obra estará pronta no primeiro trimestre de 2005. Lacerda disse que a obra não está inclusa no pacote de recursos de longo prazo. Deverá contar com dinheiro da Sudam e outros investidores, como um fundo em estudo. Segundo ele, mesmo sem o socorro do governo, a Brasil Ferrovias vinha investindo na recuperação. Os investimentos neste ano já atingiram R$ 143 milhões, com a reforma de 900 vagões e a aquisição de 36 locomotivas usadas no mercado americano, de um total previsto de R$ 177 milhões. A holding deve faturar R$ 700 milhões, disse o executivo. Para Lacerda, a capitalização que será feita pela Previ e pela Funcef demonstram a confiança na viabilidade da holding. "O que se está desenhando é a formação da Embraer dos trilhos. Foi um processo de negociação rigoroso, o BNDES nos tirou quase todo o sangue, mas deixou o suficiente para sobreviver." Com a operação, o governo estabelecerá metas ambiciosas para a Brasil Ferrovias. A maioria das que foram definidas nos contratos de concessão das três ferrovias controladas pela holding foi descumprida. A Novoeste, por exemplo, não alcançou metas de índice de acidentes e de produção transportada em nenhum dos anos entre 1997 e 2001. Segundo o último balanço das concessões divulgado pela ANTT, as empresas da Brasil Ferrovias acumularam patrimônio líquido negativo de R$ 562 milhões em 2003. Só a Ferronorte estava no azul nesse conceito. (Colaborou Raquel Balarin, de São Paulo)