Título: Mudança de regras acirra ânimos das teles
Autor: Heloisa Magalhães e Talita Moreira
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2004, Empresas & Tecnologia, p. B-1

A Anatel começa a definir nesta semana mudanças que estão acirrando os ânimos no setor de telecomunicações, pois colocam em jogo alguns bilhões de reais. Termina hoje a consulta pública que define novas regras para a interconexão - o uso da rede de uma operadora por outra. O grande foco de tensão está nas tarifas que são pagas pelas teles fixas para as empresas de celular. A partir de 2005, mudam os valores que Brasil Telecom (BrT), Telemar e Telefônica pagam às operadoras de telefonia móvel a partir do que arrecadam nas ligações de telefones fixos para celulares. Nos próximos dois anos, as negociações entre elas serão livres. Em 2007, entra em cena o novo modelo desenhado pela Anatel. No ano passado, as concessionárias fixas transferiram às celulares R$ 4,6 bilhões em interconexão, segundo a consultoria Spectrum e a Universidade de Brasília. O dado consta de estudo encaminhado à Anatel para sustentar os argumentos da Telemar e da BrT de que seus assinantes estão evitando ligar para celulares devido aos custos elevados embutidos nas chamadas. Na Telemar, essas ligações caíram 10% nos últimos anos. Porém, os repasses são chave para as operadoras de celular, porque representam 40% do faturamento dessas empresas. O custo da interconexão foi estipulado pelo órgão regulador e é corrigido anualmente pelo IGP-DI. Passados os dois anos em que as tarifas serão negociadas livremente, começará a valer o novo modelo. Ele estabelece que o valor máximo da tarifa de uso da rede para operadoras com poder de mercado significativo será determinado pela Anatel, com base nos custos dessas empresas. O órgão regulador ainda vai definir o que é participação de mercado relevante. Para as demais, as negociações com as fixas serão livres, mas as tarifas terão como piso o maior valor obtido pelas empresas com poder de mercado significativo. "Grosso modo, a receita de interconexão das empresas de celular deve ficar igual no modelo novo", diz o consultor Marco Bocchi, da Value Partners, contratada pela Anatel para ajudar na elaboração das regras. A consultoria tem entre seus clientes a Telecom Italia. As empresas de celular estão preocupadas. Os presidentes da TIM, Mario Cesar Pereira de Araujo, e da Vivo, Francisco Padinha, argumentam que as operadoras fixas têm poder de fogo maior e a correlação de forças ficará prejudicada. Vivo e TIM defendem a manutenção das regras atuais, alegando que permitem o subsídio aos serviços pré-pagos. Segundo as operadoras, as margens já estão comprimidas para sustentar a expansão da planta nas classes mais baixas. As mudanças atingem em particular empresas que não têm sinergias com teles fixas, Vivo e TIM. O projeto elimina a dupla cobrança em chamadas intra-rede. Exemplo: um cliente da operadora A faz um interurbano para um cliente da operadora B. A e B pertencem ao mesmo grupo. Para isso, ele usa o código de longa distância de outra operadora. Hoje, A e B recebem interconexão porque são tratadas como empresas separadas. Nas regras novas, o grupo só terá direito a uma cobrança. Bocchi afirma que a Vivo (joint-venture entre a Telefónica Móviles e a Portugal Telecom) será a maior prejudicada, já que é constituída por uma série de empresas. Grupos que têm empresas de telefonia móvel e celular - Telemar (dona da Oi) e BrT (BrT GSM) - não sentem tanto o impacto. Nas chamadas fixo-móvel, o dinheiro sai de um bolso e entra no outro. Por isso, a postura delas é diferente. O presidente da Oi, Luiz Falco, diz que a interconexão fixo-móvel está "desequilibrando a gênese" do setor e contesta o argumento de que a tarifa subsidia o pré-pago. Falco apóia-se no estudo da Spectrum, segundo o qual os recursos investidos pelas operadoras móveis para atrair clientes de baixa renda foi de R$ 409 milhões em 2003, ou 29% do total investido em subsídio de aparelhos. O levantamento diz que as teles gastaram R$ 410 milhões na aquisição de assinantes pré-pagos, R$ 621 milhões para atrair clientes de outras operadoras e R$ 1,8 bilhão para reter quem já estava em sua base. O presidente da Oi destaca que as fixas arcam com os impostos e com a inadimplência, já que muitos assinantes perdem o controle da conta com as ligações para celulares. Na Telemar, a receita com chamadas para telefones móveis foi de R$ 2,9 bilhões em 2003. Nesse total, houve inadimplência de R$ 159 milhões e os impostos abocanharam outros R$ 921 milhões.