Título: Interesse repentino e suspeito
Autor: Tahan, Lilian
Fonte: Correio Braziliense, 28/03/2010, Cidades, p. 28

Caixa de Pandora

Aprovação de verbas indicadas pela deputada distrital Eurides Brito aumentou de R$ 50 mil em 2005 para R$ 10 milhões, após o genro ser nomeado maestro da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional

O interesse da deputada distrital Eurides Brito (PMDB) em manter a sobrevivência da Orquestra Sinfônica de Brasília coincide com a criação da entidade responsável pelo pagamento do salário de seu genro, o maestro Ira Levin, como revelou o Correio na última quinta-feira. A primeira remessa de emendas com a finalidade de ajudar aos músicos profissionais veio em 2007, quando a Associação de Amigos Pró-Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Cláudio Santoro foi criada e o maestro contratado. Naquele período, a parlamentar destinou R$ 600 mil à essa causa, o que evoluiu daí por diante, atingindo um repasse de R$ 5,9 milhões entre 2008 e 2009. Nos três anos anteriores, no entanto, quando Eurides já era distrital, não há registros do envio de recursos por iniciativa da política para o setor. O que existe de autoria de Eurides é uma emenda (1)de R$ 50 mil à Orquestra Jovem da Regional de Ensino de Ceilândia. Em 2005, a distrital destinou a quantia para um projeto que se propunha a expandir o universo musical de crianças e jovens carentes. Uma das metas da proposta consistia em levar os meninos e meninas para tocar em diferentes cidades do Distrito Federal e fora da capital. Um mérito não fossem as acusações de que parte do dinheiro reservado para as atividades da Orquestra foi desviado, o que teria contado com a conivência da empresa Jovem Turismo, patrocinadora da Orquestra Jovem. As denúncias feitas na época pelo sub-secretário de educação Manoel Carneiro, coordenador da campanha de Eurides, renderam à deputada indiciamento na CPI da Educação da Câmara Legislativa. Das 1,1 mil emendas propostas pelos distritais em 2006, também não havia ainda dinheiro para a Orquestra Sinfônica. Somente no ano seguinte foi proposto o primeiro lote de recursos, por intermédio de Eurides. Em janeiro daquele ano, o de estreia do governo José Roberto Arruda, a distrital iniciou o lobby para a contratação do genro Ira Levin. A intenção do secretário de Cultura recém-empossado, Silvestre Gorgulho, era a de trazer o maestro brasileiro Júlio Medaglia, baseado em São Paulo. Gorgulho chegou a consultar o então ministro da Cultura, Gilberto Gil, que aprovou a indicação. Mas venceu a indicação política de Ira. Após resolver problemas burocráticos como estrangeiro, não tinha ainda autorização para trabalhar no Brasil tornou-se o maestro da Orquestra Sinfônica de Brasília.

Posto de confiança

Após a contratação de Ira Levin, uma outra etapa foi superada, a do pagamento do salário do maestro. Os músicos da Orquestra Sinfônica são funcionários do Governo do Distrito Federal (GDF). Ganham entre R$ 4 mil e R$ 10 mil. O cargo de maestro não faz parte do quadro de servidores efetivos, é um posto de confiança na estrutura. O maestro Sílvio Barbato, por exemplo, recebia R$ 7 mil como servidor comissionado, salário compatível com o dos músicos. O regente, no entanto, não ficava totalmente disponível para os ensaios da orquestra. O incremento em quatro vezes na remuneração de Ira foi possível graças à criação da Associação Pró-Amigos da Orquestra. A entidade tinha a finalidade de abrigar as emendas parlamentares que somaram em três anos R$ 10,5 milhões, dos quais R$ 5,9 milhões foram liberados. Um dos tópicos do convênio celebrado entre o GDF executor dos recursos sugeridos pela Câmara por iniciativa de Eurides e a associação diz respeito à contrapartida. Por obrigação contratual, a Associação era obrigada a pagar o salário de Ira Levin, o que fez por meio de um patrocínio garimpado junto ao Banco de Brasília (BRB). A operação é investigada pelo Ministério Público local, que desconfia da lisura do processo. O gasto de R$ 1 milhão em material gráfico pela entidade sem fins lucrativos também é considerado suspeito pela Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público (Prodep).