Título: Não há alternativa ao juro
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 20/05/2005, Brasil, p. A2

Ilude-se quem espera que o governo apresente um conjunto de medidas econômicas para aliviar a política monetária na sua tarefa de perseguir a meta de inflação. Apesar do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ter dito, na entrevista coletiva à imprensa em fim de abril que estava "convencido de que os juros não podem ser o único instrumento para controlar a inflação", em resposta ao que considerava ter sido um dos seus três principais erros, não há, pelo menos por agora, um pacote de medidas alternativas sendo preparado. No regime de política monetária fundamentado no sistema de metas, a tarefa de chicotear a inflação é e continuará sendo prioritariamente da taxa de juros, tendo a política fiscal como importantíssimo reforço, a taxa de câmbio - que tem funcionado como instrumento auxiliar - e algumas ferramentas coadjuvantes que, a rigor, atuam na margem, pouco aliviando os rumos da taxa Selic. Na linha coadjuvante constam, por exemplo, as medidas anunciadas ontem pelo ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, que serão assinadas por Lula apenas após a viagem ao Japão, tais como a isenção de PIS/Cofins para aquisição de bens de capital no exterior ou no mercado doméstico, além de outras de incentivo à inovação tecnológica. São providências que, no médio prazo, ajudarão a melhorar a oferta de bens e serviços no país, mas que no curto prazo tem impacto limitado. O que poderia ser de grande valia, como, por exemplo, uma nova rodada de redução das tarifas de importação, não está, por enquanto, no radar do governo. E não é mesmo uma providência simples, dadas as restrições do Mercosul. Também não há disposição, no momento, para um reforço na área fiscal além do aumento em R$ 7 bilhões da meta do primeiro quadrimestre para o superávit primário do governo central, numa antecipação do esforço do ano. O nono aumento consecutivo da taxa de juros básica que, segundo decisão do Copom, subiu para 19,75% ao ano, pode ter sido excesso de zelo do Banco Central. Principalmente considerando-se, como consta da ata da reunião do comitê em abril, que olhando a inflação num prazo mais longo, nos doze meses que se encerram em junho e setembro de 2006, as projeções para o comportamento do IPCA "encontram-se abaixo dos valores na trajetória de metas que dizem respeito a esses mesmos períodos". Ou seja, tirando o foco do ano calendário e mirando um prazo maior, a inflação está abaixo da meta. Esta seria, aparentemente, razão suficiente para o Banco Central interromper a trajetória de alta da taxa Selic. De março para cá, porém, o BC passou a atribuir peso considerável à inflação corrente nas suas análises, sob o argumento de que "a manutenção de riscos elevados para a inflação de curto prazo tende a aumentar a incerteza em relação ao comportamento futuro da inflação, dificultando tanto a avaliação de cenários pela autoridade monetária quanto o processo de coordenação de expectativa dos agentes privados", conforme escreveu na ata do mês passado.

A queda, quando iniciar, pode ser acelerada

A inflação de curto prazo, conforme os índices de preço ao consumidor, ainda está elevada para a meta central de 5,1% para este ano (que pode, com a margem de tolerância, chegar a 7%). As expectativas de mercado apontam para 6,39% e pequenos desvios mensais da inflação poderiam fazer vazar o teto da meta. Esta seria uma das preocupações do Copom: não deixar que a inflação de 2005 supere o teto da meta. Pela ótica da inflação corrente e dos efeitos que ela pode produzir na taxa a um prazo mais longo, e visto que foi conferido ao BC um mandato para perseguir uma meta ajustada de 5,1% para o IPCA, a decisão do Copom, de aumentar mais uma vez os juros em 0,25 ponto percentual, é coerente. Soma-se a isso os dados ainda ambíguos sobre o nível de atividade e a demora da inflexão dos preços no atacado, ajudada pela valorização da taxa de câmbio, chegar nos índices do varejo. A economia está desacelerando na produção, num processo que ainda não chegou de fato às vendas e está distante do seu efeito mais cruel, que é o aumento do desemprego. Na área do crédito, a fase de expansão já passou, mas ainda não há movimento de retração. Trata-se, portanto, de um momento de transição e dificilmente haverá um consenso em torno da postura do Banco Central, de conservadorismo talvez excessivo na condução da política monetária. A aposta do governo é de que a inflação cederá no curto prazo e será possível retomar o crescimento econômico já no final do segundo semestre, entrando no ano eleitoral de 2006 numa situação bastante confortável. Tão logo os indicadores mostrem queda sólida dos índices de preço, o Banco Central poderá impor cortes substanciais na taxa de juros, de forma mais rápida, ao contrário da subida a conta-gotas. Essa é uma aposta que, se confirmada, será comemorada pelo BC e pela área econômica do governo como Zagallo ao final da Copa América de 1997. Na ocasião, o técnico vinha sofrendo fortes críticas da imprensa pelo baixo desempenho da seleção e, após uma boa vitória sobre a Bolívia, declarou diante das câmeras de TV: "Vocês vão ter que me engolir", como lembrou ontem uma fonte do governo. Mais do que na gestão da política macroeconômica, os riscos do governo Lula estão hoje na deterioração do quadro político e na obstrução da interlocução com o Congresso. O eventual agravamento da situação de tal forma que venha a se configurar uma crise política ainda não foi precificado pelos mercados, nem nos preços dos ativos, nem numa alta preventiva de preços.