Título: CPI agrava crise interna e acirra disputa pela sucessão de Genoino
Autor: César Felício e Cristiane Agostine
Fonte: Valor Econômico, 20/05/2005, Política, p. A12

A crise política que o governo enfrenta com seus aliados no Congresso deve aumentar a tensão na disputa interna no PT e colocar em risco a reeleição ainda no primeiro turno do presidente da sigla, José Genoino Neto. As correntes de esquerda da sigla, contrárias a alianças com PTB, PP, PMDB no Congresso e nas eleições, usarão a possível CPI dos Correios como instrumento de campanha. Genoino irá disputar mais quatro anos à frente da sigla em eleição aberta a 810 mil filiados, com outros quatro concorrentes. O prazo final para inscrição de candidatos e publicação das teses termina amanhã. A eleição irá ocorrer em 18 de setembro, depois de debates nos 27 Estados. Também serão escolhidos os novos diretórios estaduais, municipais e zonais. Com exceção da deputada federal Maria do Rosário (RS), da tendência Movimento PT, todos os outros são da chamada ala esquerda do partido: o dirigente Valter Pomar, da Articulação de Esquerda, o deputado estadual Raul Pont (RS), da Democracia Socialista (DS) e o ex-deputado federal Plínio de Arruda Sampaio, da Ação Popular Socialista. O objetivo central da oposição a Genoino é forçar o segundo turno, para que o Campo Majoritário faça concessões na política de alianças e na separação entre partido e governo. Desta maneira, poderão brecar a incorporação da defesa da estabilidade econômica conforme entendida pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci, no programa partidário, durante o encontro nacional da sigla em dezembro, em Belo Horizonte. O torpedeamento da política de alianças, outro objetivo dos rivais de Genoino, subiu para o primeiro plano com a CPI dos Correios. "A CPI torna o debate interno mais tenso. A aliança tinha que ser rompida. O regime é presidencialista e o presidente não precisa ter maioria no Congresso para governar, porque dispõe de outros instrumentos. Esta enorme base de apoio nos deixa sujeitos a vicissitudes como essa que estamos vendo agora", afirmou Plínio de Arruda Sampaio.

Oposição quer forçar o segundo turno, para conter o Campo Majoritário na mudança do programa do partido

Os militantes de esquerda enxergam na crise a oportunidade de tentar cavar um fosso separando o partido do governo. "A corrupção não pode passar despercebida, não se pode ter omissão. O PT deveria estar exigindo, cobrando ações, mas tem assumido uma postura mais de governo, de maior complacência, silencia-se", disse Pont. Genoino minimiza a possibilidade da crise do governo no Congresso, onde 18 deputados do partido assinaram o requerimento da CPI, contaminar o processo interno. "A defesa das alianças é amplamente majoritária dentro do PT e a CPI será um problema para a oposição, já que não há deslize ético no governo", disse, lembrando que, dos 18 signatários, 13 são da ala esquerda e tradicionalmente divergem da linha do partido. Na primeira eleição direta, em 2001, o então presidente José Dirceu conseguiu se reeleger com 56% dos votos. Concorreu com outros seis candidatos e Raul Pont, da DS, ficou em segundo com 17%. Como houve um recadastramento de filiados e o comparecimento é facultativo, é difícil prever a repetição deste resultado. Se o quórum for baixo e as correntes de esquerda conseguirem maior mobilização, Genoino não terá maioria absoluta. O quórum alto favorece o atual presidente, já que, em tese, a maioria de novos filiados não têm militância radical. Em ritmo de campanha, Genoino já sinalizou com concessões. O petista avisou que não pretende mais mudar o estatuto do partido para introduzir sanções disciplinares contra dissidentes, ao contrário do que afirmava em fevereiro. "O PT é contra o fracionamento e o personalismo, mas o estatuto não precisa ser reformulado. Vamos atuar apenas na esfera política", disse Genoino esta semana. Há três meses, quando a candidatura rebelde de Virgílio Guimarães (MG) à presidência da Câmara levou o candidato oficial, Luis Eduardo Greenhalgh (SP), à derrota, Genoino escreveu um artigo em que afirmava: "Todas as regras atinentes aos direitos e deveres partidários, à liberdade e à disciplina emanam do estatuto do partido. Desta forma, a disciplina é uma função própria do partido. Por isto, o estatuto pode e deve conter sanções disciplinares". Virgílio deverá ser punido conforme o estatuto atual, com a suspensão de seus direitos partidários por um ano. A decisão será tomada na reunião do Diretório Nacional deste final de semana.

Genoino acena com

concessões e avisa que o estatuto não incluirá sanções disciplinares contra dissidentes

O dirigente confirmou a mudança no programa partidário, mas afirmou que a alteração não se limitará a incorporar os termos da "Carta ao Povo Brasileiro", o documento de compromisso com a estabilidade divulgado pelo comando da campanha de Lula em 2002, e nem à defesa da política ortodoxa do ministro da Fazenda, Antonio Palocci. "A política de juros e do superávit primário será descrita como meio e a discussão será centrada nos nossos objetivos estratégicos", afirmou. Dos 19 ministros petistas, nove pertencem à tendência de Genoino, que é também a do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Reúne o "núcleo duro" do governo, formado por José Dirceu (Casa Civil), Luiz Gushiken (Comunicação do Governo), Luiz Dulci (Secretaria Geral) e Antonio Palocci (Fazenda), os da área econômica, como Paulo Bernardo (Planejamento), Jaques Wagner (Conselho de Desenvolvimento), os da área social, Humberto Costa (Saúde) Patrus Ananias (Desenvolvimento Social) e Marina Silva (Meio Ambiente). Quadro histórico da antiga "Unidade na Luta", a primeira tendência que reuniu Lula e seus correligionários mais próximos, o ministro das Cidades, Olívio Dutra, está distante de seu antigo grupo. Por meio de sua assessoria de imprensa, declarou-se independente e afirmou que se manterá neutro na disputa. Vários auxiliares de Dutra pertencem aos grupos de esquerda do partido. Dos ministros filiados às correntes minoritárias, Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário) apóia Raul Pont e José Fritsch (Articulação de Esquerda) está com Pomar. Mas as correntes esquerdistas estão bem representadas nos escalões inferiores. É da mesma tendência de Pomar o presidente da Eletrosul, Milton Mendes e o da Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica, Júlio Quadros. Os ministros identificados com o Movimento PT, o da Educação, Tarso Genro, e o do Trabalho, Ricardo Berzoini, não apóiam a candidata Maria do Rosário. "Fundei o Movimento PT, mas quando ele se tornou uma tendência, eu saí. Vou votar em Genoino", afirmou Tarso. O ministro disse que continua como "colaborador" da tendência. Por meio de sua assessoria de imprensa, Berzoini disse que não se considera mais pertencente a tendências e apóia Genoino. Estão com Maria do Rosário, o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), e o embaixador do Brasil em Cuba, Tilden Santiago.