Título: Cachaça de alambique invade terra dos vinhedos
Autor: Sérgio Bueno
Fonte: Valor Econômico, 20/05/2005, Empresas &, p. B6

Conhecido como o maior produtor brasileiro de vinhos, o Rio Grande do Sul começa a investir também no segmento da cachaça artesanal - ou de alambique -, um terreno tradicionalmente dominado por Minas Gerais. Com volumes ainda modestos, cachaçarias gaúchas como Dom Braga, Casa Bucco e Weber Haus apostam na qualidade para quebrar o preconceito dos consumidores de renda mais alta e ganhar espaço para a bebida no Estado e no país, ao mesmo tempo em que ensaiam os primeiros passos no mercado internacional. O presidente da Associação dos Produtores de Cana e Derivados do Estado (Aprodecana), Rudi Kilpp, estima em 5 milhões de litros por ano a produção de cachaça artesanal gaúcha. Isso representa 1% dos 500 milhões de litros calculados para o Brasil pela Federação Nacional das Associações de Produtores de Cachaça de Alambique (Fenaca) a 1,6% dos 300 milhões de litros estimados pela Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe). Os mineiros, sozinhos, segundo a Fenaca, respondem por quase metade da produção nacional do segmento, da qual apenas 1% é exportada. Somando-se São Paulo, Rio e Bahia, a participação beira os 80%, estima o assessor técnico da entidade, José Vieira. Mas, mesmo assim os gaúchos já começam a dar trabalho aos concorrentes de outras regiões do país. A Weber Haus, de Ivoti, a 46 quilômetros de Porto Alegre, produz 120 mil litros por ano e tem clientes em São Paulo, Rio, Brasília, Bahia e até Belo Horizonte, relata o diretor comercial Evandro Weber. Segundo ele, a empresa já é fornecedora de restaurantes como Fogo de Chão e Varandão, em São Paulo, e tem produtos à venda em aeroportos e também em cervejarias. Fundada em 1968 seguindo a tradição da família que produzia grappa (um destilado do bagaço de uva) e schnapps (destilado de frutas) na Alemanha, a Weber Hause faz cachaças puras envelhecidas de um a seis anos em barris de carvalho, bálsamo e canela e também compostas com essências de frutas e ervas, que são vendidas para o varejo de R$ 11 a R$ 42 a garrafa. Cerca de 95% da produção destina-se ao mercado interno, mas a empresa já exporta para países como Alemanha, Inglaterra e Itália e está tentando abrir mercado nos Estados Unidos. Nos últimos dois anos, com o crescimento da concorrência, a Weber Hause investiu R$ 250 mil em novos equipamentos e instalações e no ano que vem pretende aplicar igual quantia para ampliar em 50% a capacidade de produção. A meta é chegar em 2007 com metade das vendas destinada ao mercado externo, explica o diretor. Segundo ele, a própria empresa cultiva 80% da matéria-prima, a cana-de-açúcar e obtém o restante de um único produtor. Cada tonelada de cana rende, em média, 100 litros de cachaça. Diferente das cachaças industrializadas, cuja produção chega a 1 bilhão de litros por ano no Brasil, conforme a diretora da Abrabe, Maria José Miranda, o produto de alambique elimina, na destilação, os álcoois prejudiciais ao consumo humano, aqueles responsáveis pela ressaca do dia seguinte. Os 10% iniciais do produto destilado, a "cabeça" da cachaça, e os 10% finais, a "cauda", são descartados, aproveitando-se apenas o álcool etílico, explica a diretora da Dom Braga, Patrícia Braga. Fundada em 2002 pelo empresário do setor de fertilizantes Anastácio Braga, que viu uma boa oportunidade de negócio no segmento da cachaça, a Dom Braga pode produzir 400 mil litros por ano mas vem operando a pouco mais de 20% da capacidade. Segundo a diretora Patrícia Braga, as vendas só iniciaram em agosto de 2004 para permitir o envelhecimento dos produtos e agora a empresa está prospectando importadores na Alemanha e Estados Unidos. "Já fizemos duas exportações pontuais, para a Alemanha e a Holanda", relata a empresária, que costuma freqüentar feiras nacionais e internacionais de alimentos como a alemã Anuga e a francesa Sial. A Dom Braga foi montada com um investimento de R$ 900 mil e os olhos no mercado externo. De acordo com Patrícia, a meta é chegar a 60% das vendas destinadas à exportação em 2008, quando a expectativa é utilizar toda a capacidade instalada da fábrica em Dois Irmãos, a 58 quilômetros de Porto Alegre. A Dom Braga vende três tipos de cachaça pura, envelhecidas até dois anos em barris de castanheira e carvalho, por preços que variam de R$ 12 a R$ 35 na fábrica, diretamente ao consumidor. A empresa coloca seus produtos em algumas redes de supermercados, lojas de conveniência, restaurantes e bares da moda exclusivamente no Rio Grande do Sul e por enquanto não tem planos de atuar em outros Estados, explica Patrícia. A empresária, uma engenheira química que aprendeu a produzir cachaça visitando alambiques em Minas Gerais e contratou um especialista daquele Estado para assessorá-la na implantação da Dom Braga, também trabalha para melhorar a imagem da cachaça promovendo degustações em eventos sociais, treinando e estimulando garçons a oferecerem os produtos aos clientes dos restaurantes finos. "A cachaça artesanal mineira tem um conceito muito bom e nós estamos tentando fazer o mesmo", explica. Em Bento Gonçalves, na serra gaúcha, a Casa Bucco produz cachaça de alambique desde 1925 mas só foi constituída como empreendimento formal em 2000, explica o sócio diretor Moacir Menegotto. A empresa tem capacidade para produzir 80 mil litros por ano, mas está operando a 50% da capacidade. Mantém ainda um restaurante e uma pousada para os apreciadores da bebida e já acumula algumas medalhas em concursos de avaliação de cachaça, explica o empresário. Segundo Menegotto, a Casa Bucco já investiu R$ 2 milhões desde 2000 e deve aplicar mais R$ 400 mil este ano e em 2006 para duplicar a capacidade de destilação. "A projeção para o mercado internacional é muito boa", afirma o empresário, que pretende destinar 50% da produção às exportações até 2006. A empresa já fez pequenos embarques para a Suíça, Nicarágua e Alemanha e está prospectando clientes também nos EUA, Itália, Portugal e outros países. No Brasil, tem 250 clientes entre lojas de bebidas, hotéis, supermercados e restaurantes. No alambique, os preços ao consumidor variam de R$ 22 a R$ 33,40 pelas cachaças envelhecidas até dois anos em tonéis de carvalho.