Título: Reviravolta no STF deixa governo perto de derrota em julgamento sobre tributo
Autor: Juliano Basile
Fonte: Valor Econômico, 19/05/2005, Brasil, p. A3
Numa reviravolta surpreendente, as empresas conseguiram cinco votos favoráveis no Supremo Tribunal Federal (STF), ontem, e estão por apenas um voto para garantir o fim da elevação na base de cálculo da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins). O julgamento foi interrompido por um pedido de vista do ministro Eros Grau. O resultado, ainda que parcial, representa um risco grave para as contas públicas do governo Lula, que, até ontem, vencia parcialmente esta questão no STF por três votos a zero. Os cinco ministros que se manifestaram ontem (Cezar Peluso, Marco Aurélio, Carlos Velloso, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence) foram unânimes ao se colocarem contra o aumento. A Receita Federal estima que o aumento da Cofins rendeu R$ 3 bilhões por ano, desde 1999, ou seja, o total de R$ 18 bilhões. Se perder, terá que devolver isso às empresas. O cálculo é impreciso pois a Receita não sabe com exatidão o número de liminares dadas pela Justiça contra a elevação da contribuição. Mas se sabe que há grandes empresas nessa lista, como a Alcoa, a Xerox, a Gradiente e a Philips da Amazônia. Num dos processos, o placar está em cinco votos para as empresas e três contrários. Em outros três recursos, a vantagem é mais dilatada: as empresas ganham por cinco votos a um. A diferença se deve ao fato de dois ministros que votaram contra as empresas (Ilmar Galvão e Maurício Corrêa) terem se aposentado. Eles só votaram na primeira ação, envolvendo a empresa Divesa, e apenas nela os seus votos são aproveitados. Já as outras três ações começaram a ser julgadas ontem e, portanto, Galvão e Corrêa não poderão votar. Em seus lugares, falarão os ministros Carlos Britto e Eros Grau. O outro voto a favor do aumento da Cofins é de Gilmar Mendes. Os ministros que votaram ontem fizeram duras críticas à elevação da contribuição, feita durante o ajuste fiscal no fim de 1998 pelo governo Fernando Henrique Cardoso. A alíquota subiu de 2% para 3% e a base de cálculo passou a ser a receita bruta das empresas e não mais o faturamento. A diferença é brutal, pois, além do 1% a mais, as empresas passaram a pagar a Cofins sobre ganhos no sistema financeiro (como juros contratuais), ganhos de exploração patrimonial (aluguéis de imóveis), ganhos escriturais (decorrentes de variações monetária e cambial) e ganhos de capital na liquidação de bens. A mudança foi realizada primeiro com a aprovação da Lei nº 9.718 e, depois, com a Emenda Constitucional nº 20. Os ministros ressaltaram que o próprio STF decidiu, há mais de dez anos que a receita das empresas deve ser compreendida apenas como o resultado da venda de mercadorias e serviços. Cezar Peluso disse que o conceito de receita bruta está previsto na Constituição e não pode ser alterado por lei. Ele criticou o fato de o governo ter notado o erro, ao aprovar a Lei 9.718 e, depois, ter tentado corrigi-lo com a Emenda 20. "É como um estudante que, após ir mal na prova, pede a correção alegando que, depois, passou a saber mais", afirmou. Carlos Velloso disse que os princípios da Lei 9.718 nasceram mortos. Para Celso de Mello, o governo atuou com "pretensões fiscais contestáveis". O advogado da Divesa, André Martins de Andrade, comemorou o resultado parcial e criticou os cálculos da Receita. "Acho que nós vamos ganhar. O governo vive com cifras astronômicas e o direito não tem nada a ver com isso." Já o tributarista Ives Gandra Martins, advogado dos outros três recursos, disse que o julgamento sinalizou que qualquer mudança tributária deve ser implementada com segurança jurídica. Na ação da Divesa, faltam os votos de Joaquim Barbosa, do presidente do STF, Nelson Jobim, e da ministra Ellen Gracie. Nas outras três, além deles, restam os votos de Carlos Britto e Eros Grau.