Título: O péssimo resultado de uma ocupação selvagem
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 19/05/2005, Opinião, p. A8

O suplemento de Meio Ambiente da Pesquisa de Informações Básicas Municipais, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado na semana passada, é um significativo retrato da interiorização do desenvolvimento em um país de dimensões continentais, com péssima distribuição de renda e frouxidão do poder público em relação ao cumprimento das leis. Mesmo sendo um levantamento de dados ambientais dos municípios fornecidos por eles mesmos, é um panorama de uma conquista selvagem de território, ocupado até hoje por meio de desmatamentos e queimadas; e de uma expansão do setor produtivo, primário e industrial, que traz ainda a marca do descaso ambiental. A produção no Brasil se expande sem qualquer compromisso com as gerações futuras. E, da mesma forma, a pobreza depõe contra o futuro: tem um grande peso na degradação ambiental os esgotos a céu aberto, a falta de tratamento adequado ao lixo tóxico e lixo industrial e a ocupação irregular de áreas protegidas. Segundo a pesquisa do IBGE, que se reporta a dados de 2002, todas as regiões do país sofrem os efeitos ambientais das queimadas e do desmatamento. Ao todo, 1.224 municípios, 22% do total, declaram poluição atmosférica frequente, e neles vive quase metade da população brasileira. A poluição dos rios e enseadas foi constatada em 28% das cidades brasileiras; 33% acusam contaminação do solo. Apenas em 600 dos 5.560 municípios pesquisados existe lugar específico para receber embalagens de agrotóxicos e 978 declaram que descartam-nas a céu aberto. Cerca de 97% dos municípios não possuem aterro industrial - e, destes, 30% reconhecem que geram resíduos industriais em quantidade significativa. Os municípios também não conseguem dar destino aos resíduos tóxicos. A pesquisa constatou 1.682 cidades que produzem resíduos tóxicos e não têm aterro industrial. Deste total, 37% descarregam esses detritos em aterros a céu aberto. Muitos deles, no entanto, sequer sabem qual o destino desse lixo. A contaminação do solo não se limita às maiores concentrações urbanas. Ela também é resultado do descarte de embalagens vazias de agrotóxicos ou pelo seu próprio uso, mais concentrado em áreas de monocultura. Isso afeta 20,7% das cidades. Proporcionalmente, Santa Catarina é o Estado mais atingido: a contaminação ocorre em 56% de seus municípios. O agrotóxico é uma causa importante da poluição - 16,2% atribuem a isso a contaminação de suas águas. O resultado do levantamento é uma síntese dos dois Brasis, o pobre e o rico, o atrasado e o moderno. Ambos sofrem as consequências da degradação. Ela vem sob a forma de desastres ambientais, como inundações, deslizamento de encostas, secas e erosão - respostas da natureza ao desmatamento e degradação ambiental; ou de endemias ou epidemias trazidas por contaminação da água ou do solo. O preço da degradação ambiental é percebido pelos municípios, segundo constata a pesquisa. Cerca de 47% dos pesquisados apontaram prejuízos em atividades primárias, como pesca, agricultura e pecuária. Entre as causas, esgotamento ou compactação do solo, a contaminação da água e mesmo as secas, além da erosão. O passivo da irresponsabilidade é alto, mas a pesquisa traz alguns dados alentadores que podem indicar uma mudança na cultura ambiental do país. Mais da metade (53,1%) dos municípios brasileiros pesquisados tinha Conselho de Meio Ambiente ou Agenda 21 em 2002. No Nordeste, essa porcentagem pulava para 63,8% - nesta região, houve uma efetiva ação do poder público neste sentido. Através das informações das prefeituras, foram detectados novos focos de queimadas e desmatamentos no Amapá, no Norte do Pará e no cerrado do Oeste da Bahia. Dos 5.281 municípios com atividade agrícola, em 35,8% existem programas de incentivo à agricultura orgânica. Isso ocorre, em especial, naqueles que já sofrem os efeitos da contaminação do solo por agrotóxicos. Da mesma forma como se percebe rasgos de consciência das consequências trágicas de um desenvolvimento selvagem do ponto de vista ambiental, ainda sobram sinais da velha cultura de que a degradação ambiental é o preço a ser pago pelo desenvolvimento econômico. Municípios situados ao longo da BR 163 (Cuiabá-Santarém), ao norte de Mato Grosso e oeste de Tocantins, deixaram de declarar ocorrências de queimadas e desmatamentos, fartamente documentados nos levantamentos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e do IBAMA.