Título: As antigas privatizações e as novas formas de parceria
Autor: Elena Landau e Patrícia Sampaio
Fonte: Valor Econômico, 19/05/2005, Opinião, p. A8

A lei das Parcerias Público-Privadas (PPPs) foi efusivamente saudada como um marco na atração de novos investimentos em infra-estrutura. Risco compartilhado, complementação tarifária, solução de conflitos via arbitragem e constituição de fundo garantidor privado são inovações que buscam superar as inseguranças financeiras e regulatórias que envolvem concessões de serviços públicos não rentáveis ou de retorno incerto. No entanto, uma questão nevrálgica permanece, apesar de momentaneamente afastada do cerne das discussões sobre o novo instituto: o que fazer com os passivos das antigas concessões, agora denominadas "comuns"? Nas discussões até agora travadas sobre as PPPs, parte-se do pressuposto de que as concessões comuns - na sua maioria decorrentes do processo de desestatização que marcou a economia brasileira na última década - não precisariam ser repensadas, pois seriam por si mesmas rentáveis, um equívoco que poderá ser responsável pela falha do novo modelo em atrair novos investimentos. De fato, passados cerca de dez anos desde as primeiras desestatizações, constatam-se vários fatores de insegurança quanto ao retorno dos investimentos trazidos para o país. Dentre eles destacam-se as seguidas mudanças no arcabouço jurídico-regulatório, as influências políticas sobre a atividade das agências, a ausência de clara definição de questões ambientais e as incertezas quanto ao cumprimento dos contratos administrativos. O investidor, apesar de formalmente protegido por contratos que garantem a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da concessão, experimentou uma realidade de descumprimento (ao menos parcial) de algumas de suas principais cláusulas. Adicionalmente, questões macroeconômicas exógenas à concessão, como a desvalorização cambial, também acarretaram significativa redução da capacidade financeira das empresas. É compreensível que a sociedade não entenda como os aumentos reais de tarifas dos últimos anos sejam compatíveis com o encolhimento nas margens de lucro das concessionárias. No setor elétrico, por exemplo, as tarifas subiram muito acima do IGP-M e, apesar disso, muitas distribuidoras enfrentam dificuldades financeiras. Todavia, é preciso entender as razões desses sucessivos aumentos e, a partir do cenário atual, refletir se o regime das PPPs terá êxito em angariar os novos investimentos almejados. Este aparente paradoxo se desfaz quando se observa que as distribuidoras, através das contas de luz, funcionam como coletoras de recursos. O valor arrecadado é repassado às geradoras, pela compra de energia, e ao governo, no caso de tributos. Assim, o aumento da tarifa muitas vezes não reverte em favor das concessionárias, refletindo apenas uma elevação dos custos externos. A esse respeito, recente estudo da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (ABRADEE) revela que, do total arrecadado em cada conta luz, apenas 27% ficam com as distribuidoras, enquanto, em 1998, essa fatia era de 45%.

Para garantir maior segurança ao novo investidor, governo precisa repensar as antigas concessões

Além disso, os reguladores relutam em repassar aumentos de custos e encargos imediatamente, o que obriga as concessionárias a operarem fora do equilíbrio econômico-financeiro no interregno entre a elevação do custo e o reajuste da tarifa. O mesmo estudo mostra que só em passivos regulatórios as distribuidoras teriam mais de R$ 16 bilhões a receber, apesar, é bom que se enfatize uma vez mais, dos aumentos reais da tarifa de energia elétrica. No que tange às PPPs, essa realidade poderá pesar negativamente. Os investidores possuem boa memória e estão atentos ao risco que o histórico das decisões sobre política econômica e regulatória do país acena. Não foram poucos aqueles que, na última década, trouxeram investimentos para os setores que operam sob regime de concessão, endividaram-se e sofreram com a instabilidade econômica e decisões administrativas que reduziram a sua margem de lucro (a qual, por ser regulada, é normalmente estreita). Assim, não será uma nova lei, por mais aspectos positivos que possua, que assegurará o ingresso de novos capitais produtivos na economia. A mera observação do passado recente fará com que qualquer candidato a concessionário de PPP saiba que enfrentará riscos ao menos de três ordens: financeiros, decorrentes da possibilidade de não haver recursos públicos para remunerá-lo após a disponibilização do serviço; jurídicos, atinentes ao risco de decisões judiciais virem a anular ou modificar cláusulas dos contratos de PPPs; e políticos, relativos a mudanças nas diretrizes das políticas setoriais que poderão trazer conseqüências para os projetos em andamento. Observe-se também que a lei das PPPs faz um corte entre as concessões "comuns" e as "patrocinadas" ou "administrativas", sem resolver as dificuldades enfrentadas pelas primeiras. Na verdade, com a nova lei, existe um risco de se criar uma categoria de concessionárias "privilegiadas", pois essas últimas, dentro do conceito de PPP, terão acesso a novos mecanismos de proteção ao investimento - como o fundo garantidor privado, que em tese retiraria essas concessionárias da via crucis do precatório - dentre outros modernos institutos jurídicos não claramente estendidos às concessões comuns (como a arbitragem). Neste sentido, a incorporação, na Lei de Concessões, das inovações trazidas pela Lei das PPPs, poderia vir a atrair mais investimentos. Ao promover um tratamento isonômico para todos os tipos de concessionárias, esta solução mais abrangente acenaria para o mercado que o Estado brasileiro busca uma efetiva parceria com a iniciativa privada, com justa repartição de benefícios e ônus e maturidade na negociação de mecanismos que garantam o equilíbrio econômico-financeiro das concessões, qualquer que seja a sua modalidade.