Título: Pouca certeza e muitas dúvidas
Autor: Maria Clara R. M. do Prado
Fonte: Valor Econômico, 19/05/2005, Opinião, p. A9

A praticamente um ano e meio da eleição presidencial, o país depara-se com algumas poucas certezas e um imenso saco repleto de dúvidas. A insegurança maior, vista assim de forma empírica, vem da seara política. É alto o preço que o governo está pagando pelos erros cometidos nas relações com o Congresso Nacional e com os partidos que, teoricamente pelo menos, fazem parte da base aliada. O poder executivo está amarrado nas iniciativas que requerem o apoio do poder legislativo e fica cada vez mais vulnerável aos anseios e interesses dos chamados "aliados". A insegurança política é hoje a maior sombra a dificultar a visibilidade quanto aos movimentos dos principais atores tendo em vista o pleito de 2006. Que cara terá a coligação de partidos que vai casar com Lula nas próximas eleições? Como se comportarão o PMDB e o PFL? Terão candidatos próprios ou vão mais uma vez se contentar com os bastidores da política, sabendo que nem sempre isso lhes assegura poder político efetivo? Ninguém deveria duvidar de que dos desdobramentos do cenário político do país ao longo de 2005 dependerá, em muito, o comportamento de alguns dos principais indicadores econômicos no ano que vem. Mas ainda que os problemas no front político fossem mais amenos, haveria enormes dúvidas no campo da economia a serem enfrentadas. A mais importante delas, pela repercussão que tem sobre todos nós, é o desempenho do PIB em 2006. Difícil acertar hoje na taxa do ano que vem, que pode variar de 3% a 1,5%, conforme acreditam os mais pessimistas em puro exercício de "chutometria". Tudo vai depender do desempenho da economia internacional, em especial dos EUA, cujo PIB tem relevância para o fluxo comercial e cuja taxa de juros tem importância pelo efeito sobre os fluxos financeiros internacionais. Se os americanos conseguirem manter a atividade em ritmo vigoroso com inflação baixa será o melhor dos mundos para o governo de Lula: a balança comercial brasileira continuaria com margem para bons saldos positivos, garantindo fonte de recursos para financiar o balanço de pagamentos e um resultado satisfatório para o PIB. Esse ponto de incerteza econômica é fundamental para reforçar ou não o ponto de incerteza política. Pois mesmo fraco do ponto de vista de conchavos e coligações, um governo sempre tem um bom trunfo "político" na mão quando a economia está em crescimento. Só que, infelizmente, por culpa deste e de outros governos, o PIB brasileiro mantém uma estreita relação com os PIBs das economias mais industrializadas. Se o mundo vai bem, o Brasil tende a ir razoavelmente bem. O oposto também é verdadeiro. Isso nos remete à outra questão de dúvida na esfera econômica, que é o risco de descontrole fiscal. Os números não são, por enquanto, assustadores. Pelo contrário. Com a relação dívida pública líquida total de 50,75% do PIB e um déficit nominal acumulado em 12 meses da ordem de 2,6% do PIB na posição de março deste ano (contra 4,5% do PIB em abril de 2004), fica claro que a despeito do aumento de gastos, o governo conseguiu manter os números do setor público sob controle com a ajuda de um vigoroso aumento da receita fiscal. Mas até as paredes dos ministérios em Brasília sabem que as dificuldades políticas crescentes comprometem a estratégia de "mascarar" o ajuste fiscal com maior arrecadação. Será uma equação cada vez mais difícil de fechar.

Preservar a estabilidade tem sido a única efetiva conquista econômica do governo Lula; dela dependerá a formação de expectativas para 2006

Aquelas são dúvidas e incertezas políticas e econômicas que se misturam umas às outras e com as quais se vai conviver, com maior ou menor emoção, até as eleições de 2006. Pesam infinitamente mais quando comparadas ao diminuto apanhado de certezas pela frente. A rigor, há apenas uma grande certeza: a de que o governo não pode perder de vista o controle sobre a inflação. O motivo é simples e óbvio. É que preservar a estabilidade, mesmo aos trancos e barrancos, tem sido a única efetiva conquista econômica do governo Lula. E, mais, dela dependerá basicamente a formação de expectativas que manterá a credibilidade do governo Lula no delicado ano eleitoral que parece se avizinhar. É dura a tarefa, no entanto, pois a estabilidade brasileira assenta-se em apenas dois pilares, alvos prediletos dos políticos ("aliados" e "não-aliados"), de empresários, trabalhadores organizados, exportadores e alguns acadêmicos. De um lado, a alta taxa de juros que faz do país o campeão dos campeões nessa matéria. De outro, a taxa de câmbio que também nos tem dado lugar de destaque no mundo das moedas valorizadas face do dólar americano. A queda observada nos índices da FGV (IGPs) a partir deste mês de maio é notícia alvissareira. Vem, na verdade, com dois a três meses de defasagem, pois era esperada para fevereiro ou março. Atrapalharam o preço do álcool, do petróleo e de alguns alimentos (devido a problemas de produção) que continuam tendo impacto nos IPCs (Índices de Preços ao Consumidor). O mais importante é olhar para o IPA (Índice de Preços por Atacado), que tem grande ponderação no IGP e está mais sujeito ao impacto direto do comportamento da taxa de câmbio. Nesse sentido, a valorização do real face ao dólar tem sido um importante aliado do Banco Central no controle da inflação porque barateia internamente os produtos importados e os demais comercializáveis cujos preços estejam de alguma forma vinculados ao comportamento da taxa de câmbio. O IPA do IGP-10 (apurado entre os dias 10 de abril e 10 de maio) caiu 0,43%, mostrando finalmente o efeito da valorização do câmbio que, em termos reais, deflacionada pelo IPCA, acumula cerca de 18% desde fins de maio do ano passado, quando a taxa nominal do câmbio chegou a fechar em R$ 3,23. Ontem, variou em torno de R$ 2,45. O impacto positivo do câmbio sobre os IPCs deve ser observado nos próximos meses mas isso não garante que a inflação chegará ao final do ano com folga, tendo em vista o teto de 7% para o IPCA da política de meta de inflação. "Não fosse o câmbio, a inflação estaria em nível bem mais alto apesar dos juros elevados", comenta o economista Luiz Roberto Cunha, da PUC do Rio, um especialista em preços. Não há por onde fugir.