Título: Nova ordem dos economistas
Autor: J. Bradford DeLong
Fonte: Valor Econômico, 19/05/2005, Opinião, p. A9

A maior parte dos estudiosos em economia se baseiam em conceitos estabelecidos no começo do século XX pelo economista britânico Alfred Marshall, que disse que "a natureza não dá saltos". Nós, economistas, mesmo assim nos sentimos cada vez mais perturbados com a aparente inadequação do jogo de ferramentas neo-marshallianas que construímos para explicar o nosso mundo. A principal tendência deste conjunto de ferramentas é que devemos nos fiar no mercado para resolver os problemas que lhe confiamos e que não devemos esperar que pequenas (ou mesmo grandes) mudanças tenham efeitos enormes. Um salto tecnológico que eleva os salários dos qualificados e educados induzirá outros a se tornarem qualificados e educados, restaurando o equilíbrio para que a desigualdade não se expanda demais. Portanto, um país em que a produtividade da mão-de-obra é baixa se tornará um lugar atraente para investimento direto estrangeiro e o aumento resultante na relação capital-trabalho elevará a produtividade. Onde quer que se olhe, usando o jogo de ferramentas de Marshall, vemos o equilíbrio econômico empurrando as coisas de volta para o normal, compensando e atenuando os efeitos dos choques e turbulências. A teoria econômica de Marshall tem feito uma carreira maravilhosa, e ajudado os economistas a fazer o mundo ter sentido. Existe uma sensação, no entanto, de que o progresso e o entendimento exigirão algo novo - uma teoria econômica dos círculos viciosos, patamares e efeitos borboleta, na qual pequenas mudanças tenham efeitos muito amplos. Talvez isso sempre tenha sido assim. Pelos padrões de séculos atrás, vivemos em um mundo de riqueza inacreditável. Em duas gerações a taxa de alfabetização será praticamente universal. Há três séculos, porém, também havia progresso tecnológico, desde o relógio mecânico e o moinho de água ao canhão e à caravela, continuando com as variedades de arroz que podem ser cultivadas três vezes ao ano em Guangzhou e a criação do carneiro merino, que pode se reproduzir melhor nas montanhas da Espanha. Mas essas inovações só serviram para aumentar a população humana, não para elevar os padrões medianos de vida. Hoje, se dividíssemos por igual o que produzimos para o mundo inteiro, será que isso nos proporcionaria um padrão de vida dez vezes superior ao de nossos antepassados pré-industriais? Vinte vezes? Cem? Será que a questão é relevante? David Landes gosta de contar a história de Nathan Meyer Rotschild, o homem mais rico do mundo na primeira metade do século XIX, que morreu na faixa de 50 anos, vítima de um abscesso infeccionado. Se lhe oferecêssemos a escolha da vida que levou como o príncipe das finanças da Europa ou uma vida hoje, bem abaixo na escala de distribuição de renda, mas com 30 anos adicionais para poder ver os seus bisnetos, qual ele escolheria?

As inovações tecnológicas só serviram para aumentar a população humana, mas não para elevar os padrões medianos de vida das pessoas

Sem dúvida, vivemos em um mundo de extraordinária desigualdade. Há famílias perto de Xian, em terras que anteriormente foram o coração do império da dinastia Tang, com fazendas de menos de um hectare de trigo e uma única cabra. Há outras famílias pelo mundo que poderiam comprar essa fazenda de trigo com o salário de um dia. A teoria econômica de Marshall - a economia do equilíbrio da estática comparativa, das mudanças nas curvas da demanda e da procura, e das reações de acomodação - é de quase nenhuma ajuda para explicar isso. Porque os padrões de vida medianos em todo o mundo permaneceram estagnados por tanto tempo? Porque a taxa de crescimento experimentou uma aceleração que é tão extraordinariamente veloz em um período tão curto? Onde está a teoria econômica da invenção, inovação, adaptação e difusão? Não está em Marshall. E por que o mundo atual é tão desigual a ponto de ser difícil encontrar qualquer tipo de medida de distribuição global que não apresente divergência pelo menos até a década de 1980? Já transcorreram gerações desde que os economistas Robert Solow e Moses Abramovitz obervaram que o jogo de ferramentas de Marshall é um subsídio insatisfatório para a compreensão da expansão econômica moderna. As reais fontes de crescimento não podem ser encontradas nas ofertas e demandas e alocações de recursos escassos para usos alternativos, mas sim na mudança tecnológica e organizacional - sobre as quais os economistas pouco têm a dizer. Historiadores econômicos como Ken Pomeranz acertadamente assinalaram que antes da Revolução Industrial os padrões de vida medianos em todas as civilizações avançadas da Eurásia eram relativamente baixos. Um camponês no vale Yangtze, no fim do século XVII, tinha um estilo de vida diferente daquele camponês ou camponesa contemporâneos do vale do Tamisa, porém não é um estilo de vida que possa ser considerado claramente melhor ou pior. Dois séculos depois este já não era mais o caso: até o fim do século XIX, os padrões de vida medianos no Reino Unido e demais países aos quais a Revolução Industrial se alastrou ficaram, pela primeira vez nos anais da história, anos-luz à frente de qualquer referência da subsistência neo-malthusiana. As realizações econômicas do início da era industrial ocorreram apesar da perda de uma proporção significativa de renda nacional para apoiar uma aristocracia corrupta, decadente e devassa. Elas aconteceram apesar da triplicação da população, que exerceu uma extraordinária pressão malthusiana sobre a base dos recursos naturais subjacentes da economia e a despeito da mobilização de uma proporção sem precedentes da renda nacional por aproximadamente um século de guerra intensa contra a França, uma potência com população três vezes superior à do Reino Unido. Como, exatamente, ocorreram essas realizações? Quais as pequenas diferenças que se revelaram tão importantes? Os economistas agora estão acordando com a constatação de que as questões mais interessantes diante de si sempre estiveram além do alcance do jogo de ferramentas de Marshall. Claramente, as ciências econômicas - para que possam ter êxito e progredir - precisarão ser muito diferentes em uma geração em relação ao que são hoje.