Título: Contratos de adesão e uso da arbitragem
Autor: Selma Ferreira Lemes
Fonte: Valor Econômico, 19/05/2005, Legislação & Tributos, p. E2

"O alento surge por iniciativa de importantes empresas que começaram a praticar a oferta de arbitragem"

Os contratos de adesão - instrumentos jurídicos que regulam as relações de massa na sociedade moderna, em que o adquirente, ao assiná-los, não pode opinar quanto ao seu conteúdo - merecem um tratamento especial e a proteção do legislador. Geralmente esses tipos de contratos estão vinculados às relações de consumo. Essas peculiaridades foram notadas pelo legislador, que, ao disciplinar a solução de controvérsias pela via da arbitragem na Lei nº 9.307, de 1996, dedicou um tratamento especial à arbitragem nesses tipos de contratos. Estão previstas duas formas para operacionalizar a arbitragem no artigo 4º, parágrafo 2º da lei. A primeira estabelece que a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente quiser e der início ao procedimento arbitral. Essa disposição, por razões óbvias, retira o efeito vinculante da cláusula compromissória em relação ao aderente, mas não quanto ao ofertante do serviço ou produto. Esse tratamento é dispensado quando a cláusula compromissória está incluída no contrato como outra cláusula qualquer, geralmente escrito em letras pequenas e raramente lidas ou entendidas pelo aderente. Este simplesmente assina no campo determinado. Situação totalmente diferente ocorrerá se, ao estabelecer a previsão de arbitragem, o aderente for inquirido se a aceita (é uma opção) e foi devidamente esclarecido sobre o que é a arbitragem. Preenchidos esses requisitos prévios de concordância espontânea, a cláusula pode ser firmada em instrumento separado ao contrato, ou nele incluído, mas em negrito e com a assinatura ou visto especial para essa cláusula. Neste caso, a cláusula compromissória terá eficácia plena, vinculando tanto o aderente como o proponente. Mas, para que isso ocorra de modo tranqüilo e adequado, a cláusula compromissória deve conceder condições efetivas de operacionalidade, estabelecendo que seja fácil instalar a arbitragem, preferencialmente valendo-se de instituição arbitral idônea, com sede no local onde reside o aderente e que não represente custos financeiros para ele. Vale notar que a arbitragem nas relações de consumo encontra franca aplicação em muitos países e, desde as últimas duas décadas do século passado, iniciou-se uma verdadeira revolução silenciosa na área da Justiça em âmbito universal. Movimentos que propuseram a renovação e incentivo das novas formas de acesso à Justiça, o que passou a ser denominado pelo jurista Mauro Cappelletti como "a terceira onda renovatória do direito": os meios extrajudiciários de solução de disputas, nele incluídos a mediação, a conciliação e a arbitragem. O legislador brasileiro, nesta linha renovatória, fez inserir no artigo 4º, inciso V do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que trata da política nacional de consumo, o fomento e incentivo aos meios alternativos de solução de conflitos de consumo.

A sociedade precisa ser informada e a cláusula compromissória inserida no contrato precisa ter redação simples e clara

É importante sublinhar que os métodos extrajudiciários de solução de conflitos passam a ser uma opção a mais para a sociedade e, com isso, não se pretende excluir as importantes e boas iniciativas existentes, tais como as atividades desenvolvidas pelos órgãos de defesa do consumidor e os juizados cíveis. O que se propugna é mais uma porta de acesso à Justiça. Todavia, observa-se que existe no setor muita falta de informação, quando não equívocos de interpretação, pois muitos entendem que a arbitragem é vedada na área de consumo por estar disposto no artigo 51, inciso VII do Código de Defesa do Consumidor, que são consideradas cláusulas abusivas, e portanto nulas de pleno direito, dentre tantas outras, as que "determinem a instituição compulsória da arbitragem". Ora, esse dispositivo, não obstante sua salutar finalidade protetora, não encontra ressonância no direito brasileiro da arbitragem, pois, como esclarecido, a arbitragem só pode ser voluntária, tanto na área de consumo como nas contendas cíveis ou comerciais. Mas o alento na área surge por iniciativa de importantes empresas que, conscientes de sua responsabilidade social e por agregar valor aos seus produtos, começaram a praticar a denominada "oferta de arbitragem", tal como verificado no exterior. Nesses casos, ao exporem à venda determinados produtos, informa-se aos consumidores que, na eventualidade de controvérsias, estes poderão dirigir-se, se quiserem, a determinadas instituições arbitrais com as quais mantêm convênios para solucionar as divergências ou valerem-se dos demais meios judiciais ou extrajudiciais existentes. Vislumbra-se um futuro promissor em diversas áreas, tais como de seguros e serviços em geral, que demandam iniciativas tanto dos agentes públicos como privados. As demandas devem ser referentes aos assuntos patrimoniais e não àquelas que têm conotações penais. Para iniciar esses trabalhos, a sociedade precisa ser convenientemente informada e a cláusula compromissória inserida no contrato precisa ter redação simples e clara, que seja fácil de ser operacionalizada, que não induza em erro ou equívoco de entendimento por parte do aderente e que não seja imposta, mas sugerida. Por fim, note-se que o novo Código Civil, na linha protetora já mencionada, também regulou os contratos de adesão em dois artigos, cujas disposições estão em perfeita consonância com as legislações consumerista e arbitral.