Título: Jogo com chinês exige inteligência
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 23/05/2005, Brasil, p. A2

Pouco antes da visita do presidente chinês, Hu Jintao, ao Brasil, no fim de 2004, o ministro do Comércio da China, Bo Xilai, foi brutalmente direto ao falar dos interesses do país, ao presidente da Companhia Vale do Rio Doce, Roger Agnelli: "se o Brasil não reconhecer a China como uma economia de mercado, pode esquecer seus planos de vender minério de ferro para nós". A história foi contada na última reunião do Conselho Empresarial Brasil-China (CBEC), em Brasília, para um grupo que incluía o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, e o presidente da Fiesp, Paulo Skaf. Mostra que, nos negócios, o terceiro maior país em comércio no mundo em nada se assemelha ao estereótipo zen dos orientais. É rude, mas a China pode. É um poderoso investidor e o terceiro maior exportador e importador do mundo, com compras de US$ 561 bilhões e vendas de US$ 593 bilhões. Aqueles que criticam o governo Lula por seu aparente desmazelo em relação às potências comerciais não podem falar mal do esforço de aproximação com os chineses. O futuro mundial passa por lá. É contra esse "sócio estratégico" que o governo decidiu, na sexta-feira, criar um mecanismo de defesa: a regulamentação das salvaguardas especiais contra importação de produtos chineses, prevista no contrato de adesão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC). O que incomoda na relação comercial com a China é seu aspecto colonial: vendemos cada vez mais produtos pouco elaborados para eles, como o minério de ferro e a soja, e compramos em volumes cada vez maiores produtos manufaturados, como máquinas, eletroeletrônicos, e até óculos. Os chineses, porém, são grandes importadores também de manufaturados. Os brasileiros chegaram tarde, ou não descobriram como vencer as barreiras para vender lá esse tipo de mercadoria. Quem sabe falte empenho do governo e do setor privado, hoje voltados à celebração da parceria estratégica com a China ou às reclamações contra a concorrência chinesa. A defesa é fundamental. Mas para adotar uma metáfora ao gosto do Planalto, só se ganha um jogo com um bom ataque. Há entre os empresários a impressão de que o anúncio da regulamentação das salvaguardas é apenas um aperitivo, para tornar menos amarga a decisão, a ser anunciada em breve, de regulamentar também o status de economia de mercado concedido à China. Os assessores de Lula garantem que o governo não decidiu ainda essa regulamentação à espera de gestos prometidos pela China, como a remoção de barreiras impostas, na prática, a exportações e o anúncio de investimentos chineses no Brasil.

Ainda falta o status de economia de mercado

A rude ameaça de Bo Xilai deve ter pesado na decisão de conceder à China o status de "economia de mercado", durante a visita de Hu Jintao ao Brasil. Mas, quando vier a regulamentação temida pelos empresários, a medida terá apenas um significado prático: o Brasil não poderá adotar barreiras arbitrárias contra os chineses. Para acusar uma mercadoria da China de competição desleal, o país terá de usar como referência preços captados no pouco transparente mercado chinês. O país também pode manter como referência os preços de outros países. É só mostrar que os dados na China não são confiáveis. Não é difícil, só um pouco mais custoso. Com as salvaguardas, o país nem precisa comprovar a competição desleal. Basta mostrar que a indústria nacional sofre com as importações. No entanto, como alerta o CEBC, composto principalmente por empresas que lucram no comércio entre os dois países, não é uma decisão banal; os chineses já avisaram que poderão retaliar e impor, também, obstáculos às vendas brasileiras. Pode ser um blefe. Ainda assim, exige diplomacia, para não se perder um importante mercado em troca da proteção a indústrias que serão vitimadas, cedo ou tarde, pela competição da Coréia, ou, quem sabe dos EUA. Mais grave: grande parte das queixas dos empresários não se resolverá com cotas ou mais taxas nas alfândegas. Há indicações de irregularidades em importações, como as de máquinas automáticas para costurar tecidos, que entram no Brasil a um custo de US$ 2,59 por quilo, quando similares de outros países não custam menos de US$ 26,00. O aumento no volume de importações de brinquedos e alguns produtos têxteis também tem sido muito maior, às vezes o dobro, do aumento no valor das compras desses produtos, o que pode indicar subfaturamento. Outros indicadores sugerem enorme contrabando. Esse tipo de competição desleal não se resolve com salvaguarda. Mas com polícia.