Título: Incertezas inibem adoção de alternativas aos juros altos
Autor: Ricardo Balthazar
Fonte: Valor Econômico, 23/05/2005, Brasil, p. A3

As dificuldades encontradas pelo Banco Central para conter a inflação fizeram a insatisfação com a política econômica do governo aumentar muito nos últimos meses. Mas os economistas estão longe de encontrar alternativas que permitam uma redução dos juros sem deixar os preços fugir ao controle ou produzir outras conseqüências indesejáveis. Na entrevista coletiva que concedeu no fim de abril, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva revelou-se angustiado com a falta de instrumentos que permitam baixar os juros das nuvens sem comprometer o combate à inflação. Mas todos os sinais emitidos pelo governo desde então indicam que não existem alternativas sendo discutidas a sério em Brasília. É fácil entender por quê. Custos políticos e outras incertezas tornam arriscado colocar em prática as medidas que têm sido sugeridas. "As grandes soluções são inviáveis politicamente e as pequenas soluções são irrelevantes ou deixariam as coisas piores do que estão", diz o economista Joaquim Elói Cirne de Toledo, da Universidade de São Paulo (USP). Lula mencionou duas alternativas quando tocou no assunto. A que gerou mais especulações foi a idéia de renegociar contratos das concessionárias de telefonia e energia elétrica. Assinados na década de 90, quando as empresas desses setores foram privatizadas, os contratos prevêem reajustes periódicos pela variação dos IGPs, índices de preços que subiram muito nos últimos anos. A maioria desses contratos só começa a vencer daqui a mais de uma década. Alterá-los no meio do caminho poderia gerar disputas nos tribunais e afugentar novos investidores. "Pior que inflação alta é não ter energia depois", diz Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), uma consultoria. "É possível rever os contratos, mas com cuidado e sem ameaças às empresas." Há dúvidas sobre o benefício que a troca dos IGPs por outro índice produziria. Os contratos na área de energia já têm mecanismos que permitem atenuar o impacto de uma disparada dos IGPs nos próximos anos. Além disso, as projeções indicam que neste ano a inflação medida pelos IGPs será muito parecida com a do IPCA, o índice perseguido pelo BC no regime de metas de inflação. Os economistas consultados na pesquisa semanal feita pelo BC prevêem que o IGP-M subirá 6,7% neste ano, pouco mais do que os 6,4% projetados para o IGP-DI e os 6,39% do IPCA. De acordo com as prévias divulgadas na semana passada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), os dois IGPs registraram deflação nas primeiras semanas de maio. "Trocar o indexador desses contratos agora poderia ser um tiro no pé", observa o economista Caio Prates, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). As tarifas estão subindo muito neste ano por causa do comportamento dos IGPs nos últimos meses, mas os fatores que alimentaram esses índices no passado, como a alta dos preços internacionais do petróleo e de outras mercadorias, parecem estar arrefecendo. Lula também mencionou a recente redução de tarifas de importação de produtos siderúrgicos como exemplo de medida a tomar para conter a inflação sem aumentar ainda mais os juros. Em março, atendendo a reclamações de montadoras de automóveis e outras empresas contra as siderúrgicas, o governo zerou as tarifas de 15 produtos, incluindo chapas de aço e folhas usadas para fazer embalagens metálicas. Os resultados da medida são pouco visíveis até agora. Muitas empresas ganharam força para negociar com as siderúrgicas. Mas as importações dos produtos beneficiados pela redução de tarifas em março e abril foram 23% menores do que as registradas no mesmo período no ano passado. Muitas indústrias aumentaram seus estoques de aço preventivamente no início do ano, antes da redução das tarifas. Além disso, o aumento promovido pelo governo na tributação dos produtos importados no ano passado pode ter atenuado o impacto da redução das tarifas. Como observou num artigo recente o ex-diretor de política econômica do BC Ilan Goldfajn, hoje sócio da Gávea Investimentos, o aumento da tributação equivale a um aumento das tarifas que protegem a indústria nacional contra a competição estrangeira. Para alguns analistas, isso significa que haveria espaço para um corte mais ousado nas tarifas de importação se o governo quisesse usar esse instrumento para inibir aumentos de preços e forçar as indústrias domésticas a se tornar mais competitivas. Mas nada poderia ser feito sem um acordo com a Argentina e os outros sócios do país no Mercosul. Além disso, sempre haveria a dificuldade de escolher setores em que a medida poderia dar mais resultados. "O ideal seria uma redução de tarifas mais generalizada", diz o economista-chefe do banco Itaú, Tomás Málaga. "Isso seria muito difícil de fazer, mas mudanças de alíquotas apenas em alguns setores poderiam criar distorções maiores." A maioria dos economistas acredita que a saída para aliviar o peso dos juros é aumentar a disciplina fiscal do setor público. Mas a capacidade do governo de reduzir seus gastos é limitada, porque a maioria são despesas de caráter obrigatório que ele não controla. "Há margem para mais aperto fiscal, mas seria preciso contrariar muitos interesses", afirma o consultor Raul Velloso. Para o economista-chefe do banco Credit Suisse First Boston, Nilson Teixeira, o desempenho da arrecadação federal nos últimos meses, quando superou as expectativas do governo, mostra que há espaço para um aperto fiscal maior. "É possível economizar um pouco mais mesmo mantendo as despesas no nível em que se encontram", diz ele.