Título: Calçados, ótica e eletroeletrônicos já preparam pedidos de salvaguarda
Autor: Raquel Landim e Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 23/05/2005, Brasil, p. A6

Empresários dos setores de ótica, calçados e eletroeletrônicos já anunciaram que pedirão ao governo a adoção de barreiras comerciais contra a China, como salvaguarda para proteção da indústria nacional. O crescimento acima de 60% nas importações brasileiras de produtos chineses nos meses de fevereiro a abril, especialmente nos setores têxtil, de produtos óticos e de brinquedos, levou o governo a tomar uma decisão que adiava há pelo menos dois anos: nos próximos dias será regulamentada a aplicação de barreiras especiais para mercadorias importadas na China que ameacem de dano os concorrentes brasileiros, segundo anunciou, na sexta-feira, o Ministério do Desenvolvimento. Os empresários são evasivos ao falar em datas, mas se dizem decididos a aproveitar a oportunidade criada pelo governo com a regulamentação das salvaguardas, incorporadas no acordo de adesão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC). "O decreto é resultado de uma pressão legítima do setor privado", defende o presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior (Coscex) da Fiesp, Rubens Barbosa. A Fiesp monitora as importações e, após a publicação do decreto, examinará para quais setores será possível solicitar salvaguardas, informou ele. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, resistia à idéia por receio de afetar a "parceria estratégica" firmada com os chineses. Mas, na semana passada, autorizou a Câmara de Comércio Exterior (Camex), que discutia informalmente o assunto, a baixar a regulamentação para medidas de "salvaguardas" especiais contra a China. A medida atende à crescente pressão privada, mas não resultará, de imediato, em nenhum efeito prático. Os empresários terão de protocolar no Departamento de Defesa Comercial (Decom) do Ministério do Desenvolvimento o pedido de salvaguardas, com provas de que as importações da China ameaçam de dano a produção nacional. As investigações, segundo o secretário de Comércio Exterior, Ivan Ramalho, levarão de dois a oito meses. Serão publicados, nos próximos dias, dois decretos, com critérios diferentes, para salvaguardas contra produtos têxteis e para outras mercadorias. Essas salvaguardas serão cotas ou tarifas mais altas de importação para produtos chineses. O governo espera, contudo, que antes de adotar essas medidas seja possível negociar com o setor privado e os exportadores chineses medidas voluntárias de restrição dos embarques da China, já discutidas com aquele país. Um dos motivos para a cautela das autoridades está apontado em um relatório do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados, entregue ao governo pelo Conselho Empresarial Brasil-China, segundo o qual, a aplicação de salvaguardas contra aquele país pode levar a retaliações comerciais, como já ameaçam autoridades chinesas. Nos Estados Unidos, que regulamentaram recentemente o tema, a Casa Branca rejeitou um pedido de salvaguardas contra cabides de metal e botões acionados pelos pés (pedestal actuators), apesar de endossado pela Comissão de Comércio Internacional (ITC). A medida foi considerada contrária ao interesse econômico nacional, diz o estudo apresentado pelo Conselho. O governo Lula reconhece que um dos setores mais afetados, candidato a proteção por salvaguardas, é o de produtos óticos, com forte aumento de importação no primeiro quadrimestre. O setor já estuda com a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) a formulação do pedido de medidas contra a China, segundo informou o presidente do Sindicato Interestadual da Indústria de Óptica do Estado de São Paulo (Siniop), Ronaldo Dini. Ele ressalta, porém, ser necessária maior fiscalização para evitar aumento de contrabando, após a salvaguarda. As exportações de óculos solares provenientes da China aumentaram 22% no primeiro trimestre do ano em relação ao mesmo período de 2004. As compras de óculos de precisão subiram 14%, conforme a Associação Brasileira de Produtos e Equipamentos Ópticos (Abiótica). "Ainda temos de estudar o decreto do governo", comenta, cauteloso, o presidente da Abiótica, Synésio Baptista da Costa. Ele teme que, depois de aplicada a salvaguarda, os chineses exportem seus produtos por Hong Kong ou Coréia. "É importante, mas não acredito que esse decreto seja uma medida salvadora." "As salvaguardas não serão automáticas, como o apertar de um botão; é preciso comprovar o prejuízo", alerta o secretário-executivo da Camex, Mário Mugnaini. Segundo dados do Desenvolvimento, boa parte dos aumentos de importação se deve a produtos como eletroeletrônicos destinados à montagem de aparelhos celulares para venda nos mercados externo e interno. Em muitos casos, segundo Ivan Ramalho, o aumento das compras de mercadorias chinesas apenas reflete perda de espaço de exportadores de outros países no mercado brasileiro. "Vamos entrar com um processo, pois é grande o prejuízo", garante o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Élcio Jacometti. Ele informa que as importações de calçados chineses aumentaram 180% de janeiro a abril, em relação ao mesmo período em 2004. O volume justifica o pedido de salvaguarda "o mais rápido possível", mas não há prazo, diz. O setor eletroeletrônico também ainda não decidiu a data, mas estuda pedir salvaguardas contra as importações de produtos como auto-falantes, revela Humberto Barbato, diretor de comércio exterior do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) e diretor de relações internacionais da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). Os chineses já dominam 70% do mercado brasileiro de auto-falantes, diz ele. "Com o câmbio valorizado, que facilita a importação, fica ainda mais complicado", ressalta.