Título: O preço que Brasil pagará pelo Protocolo de Cartagena
Autor: Marcos S. Jank e Rodrigo C. A. Lima
Fonte: Valor Econômico, 23/05/2005, Opinião, p. A10
A notícia que o Brasil irá sediar a reunião da Convenção sobre Diversidade Biológica e do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, em março de 2006, é bem-vinda, mas requer atenção e preparo. Isso porque o motivo do encontro é bastante polêmico. No âmbito da Convenção, deverão ser negociados temas como a conservação e o uso sustentável da biodiversidade, a repartição justa e eqüitativa dos benefícios oriundos dos recursos genéticos e a transferência de tecnologia. Já no contexto do protocolo, o foco recairá sobre os possíveis riscos dos Organismos Vivos Modificados (OVMs) - que diferem dos organismos geneticamente modificados, pois estes podem incluir produtos processados - para a conservação da biodiversidade e para a saúde humana, tendo em vista o estabelecimento de regras mais estritas para o comércio internacional de OVMs. Esse conjunto de temas interessa sobremaneira ao Brasil, país que tem potencial para pesquisar, explorar de forma sustentável e colher os frutos que sua megadiversidade proporciona. Gozar desses benefícios significa negociar a implementação da Convenção e do Protocolo de forma a defender os reais interesses da nação. Se, por um lado, existe discussão sobre os objetivos da convenção no Brasil, inclusive com o respaldo do Programa Nacional de Conservação da Diversidade Biológica, por outro, o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança passa despercebido na sociedade e na mídia e causa preocupação nos setores envolvidos na produção e comercialização de commodities. O protocolo prevê, em síntese, a identificação de OVMs, a criação de um mecanismo de responsabilização e compensação por danos causados ao meio ambiente e à saúde humana, bem como a necessidade de avaliar riscos e capacitar os países para lidar com esses temas. A primeira reunião das partes do protocolo ocorreu no início de 2004, em Kuala Lumpur, Malásia, e deixou evidente que a identificação dos carregamentos de OVMs e a responsabilização são dois temas centrais da matéria. O debate sobre como cuidar da identificação dos OVMs de forma objetiva, sem que se criem obrigações e obstáculos desnecessários ao comércio, motivou estudos detalhados que deveriam alertar os países e os produtores e exportadores de commodities agrícolas. Um deles, feito pelo International Food & Agricultural Trade Policy Council ("The Potential Impacts of the Biosafety Protocol on Agricultural Commodity Trade", dezembro de 2004), prevê que a identificação dos OVMs criará custos significativos na medida em que os testes forem mais detalhados. Assim, deve-se trabalhar com a possibilidade de se testarem os carregamentos levando-se em conta: a presença de OVMs, a identificação de cada evento (por exemplo, soja resistente a pragas e tolerante a herbicidas) e a quantificação de cada evento OVM presente no carregamento. O estudo estima que os custos para testar as exportações de milho dos EUA e Argentina poderiam alcançar US$ 87 milhões por ano, dependendo do grau de exigências dos testes.
Como maior fronteira agrícola do planeta, país ainda não entendeu que o tratado agregará custos ao comércio
Outra pesquisa feita pela FAO, em cooperação com o governo argentino, trabalhou com a possibilidade de os países aceitarem limites de OVMs. Nesse caso, os custos que recairiam sobre a cadeia produtiva para segregar um milhão de toneladas de soja ou milho com 0,9% de limite de OVMs seriam de aproximadamente US$ 40 milhões. Adotando-se um limite de 5% de conteúdo OVMs, esses custos cairiam para US$ 10,2 milhões para a soja e US$ 7,4 milhões para o milho. Ainda quanto à identificação, deve-se considerar a possibilidade de se requererem testes também no porto de entrada, o que implicaria custos de atraso dos navios nos portos, "demurrage costs", na linguagem comercial. Nesse sentido, é inevitável não ficar em pânico quando se sabe que um dia de atraso de um navio em um porto custa cerca de US$ 40 mil. A grande questão que se coloca é que o Brasil parece assistir a esses debates como um espectador silencioso e atônito. Só que sua condição é distinta, pois é o único grande produtor e exportador de commodities OVMs que, por forte pressão do Ministério do Meio Ambiente, ratificou o Protocolo (diferentemente dos EUA, Canadá, Argentina, e outros) e sua participação nas negociações, que deverão desembocar na implementação do mesmo, ainda deixa a desejar. Definitivamente, a postura hesitante do governo não condiz com o papel pró-ativo que um país que detém hoje o maior saldo comercial agrícola do mundo deveria desempenhar. A falta de cooperação e consenso entre os Ministérios do Meio Ambiente, Agricultura e Relações Exteriores pode representar o surgimento de um novo e importante entrave para as nossas exportações. Entendemos que a sociedade merece ser melhor informada sobre esse assunto. Produtores, exportadores e consumidores fatalmente terão de absorver os custos e obrigações do protocolo. Espera-se, no entanto, que esses custos tenham uma motivação justificada, plausível. Para tanto, é imprescindível que o Brasil leve para a próxima reunião das partes do protocolo, que será realizada em Montreal, entre 30 de maio e 3 de junho de 2005, propostas concretas que venham ao encontro dos interesses comerciais do terceiro maior exportador mundial de produtos do agronegócio. Ao ratificar o Protocolo de Cartagena, o Brasil embarcou em um trem bala, que vai avançando em alta velocidade, e pode representar um aumento não negligenciável de custos de comercialização de determinados produtos agrícolas. No entanto, a falta de uma posição pró-ativa nas negociações do protocolo, mostra que o Brasil parece ainda estar viajando de maria fumaça, num compasso lento, sem dar atenção aos temas negociados e seus respectivos custos para a sociedade, o que preocupa. Diante dessas constatações, é sempre bom lembrar que o Brasil possui a maior fronteira agrícola do planeta e encontra na produção e na exportação de seus produtos um caminho eficaz para o desenvolvimento econômico e social. Por isso, quando o trem bala chegar à cidade de Curitiba em março de 2006, espera-se que o Brasil já tenha encontrado um caminho que reflita os reais interesses da nação.