Título: Pólos tecnológicos dão impulso à transferência de conhecimento
Autor: João Luiz Rosa
Fonte: Valor Econômico, 23/05/2005, Empresas &, p. B3

Em julho de 2003, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo, decidiu criar uma agência de inovação diferente. Em vez de professores, contratou profissionais especializados para vender suas patentes. O trabalho efetivo, iniciado em 2004, teve uma resposta surpreendente. "Em seis meses, vendemos mais patentes do que nos dez anos anteriores", conta Rosana Di Ceron Giorgio, diretora de propriedade intelectual da Inova. Entre janeiro e julho, foram negociadas 22 patentes. O número saltou para 26 no encerramento do ano. Em uma década antes da agência, a universidade só vendera 7 patentes. Agora, a Unicamp prevê atingir uma receita anual de R$ 14 milhões em direitos autorais no prazo de cinco anos. Em 13 anos serão mais de R$ 50 milhões por ano, estima Rosana. Como a Unicamp, outras instituições de pesquisa no país estão buscando modelos capazes de transformar conhecimento científico em tecnologia - com aplicação efetiva nas empresas -, numa ação que também já despertou a atenção da iniciativa privada. A Cristália testa patentes na área de anestésicos com a Unicamp; o grupo Gerdau tenta substituir óleo combustível por gás natural junto com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e a Weg está levando professores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) para dar cursos de mestrado a seus funcionários na própria empresa. Embraer, Natura, CSN e Villares, entre outras, participam de projetos financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O resultado desse intercâmbio crescente é a criação de centros de tecnologia a um ritmo e com dimensões até agora raras no Brasil. Muitas delas nascem com o perfil de incubadoras de empresas de base tecnológica, consideradas um elo fundamental para a transferência de conhecimento. Em São Paulo, o Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec) multiplicou de sete para 103 o número de negócios incubados desde sua criação, em 1998. A cada quatro meses, as empresas mais antigas saem e dão lugar a novos empreendimentos. É o caso da Biotec, que desenvolve hormônio feminino, e da Alpha, que criou um medicamento genérico do Lexotan. Ambas estão deixando a incubadora para ocupar novos espaços, de 270 metros quadrados cada, na área que está sendo criada para companhias mais maduras. O espaço faz parte de um projeto mais ambicioso: um miniparque tecnológico que vai ocupar um terreno de 21 mil metros quadrados na Cidade Universitária. "Em 60 dias esperamos estar prontos para o início da construção", diz Sergio Risola, gerente executivo do Cietec. "A partir daí, o plano é concluir a obra em 12 meses." Canteiros de obras parecidos aparecem na Bahia e em Pernambuco. Em Salvador, o governo do Estado vai iniciar a construção do Condomínio Digital, onde pretende reunir 60 empresas de software. Já em Recife, o plano é ampliar o Porto Digital, que atualmente reúne 83 empresas. Com 32 mil metros quadrados, o Porto vai se estender por mais 8,5 mil metros. A súbita proliferação desses centros ajuda a desfazer dois mitos. Primeiro, o de que faltam idéias e candidatos a empreendedor no país. Em Salvador, a fila para o Condomínio Digital já tem 80 interessados - mais do que as vagas disponíveis - e em São Paulo o Cietec planeja abrir uma incubadora de idéias, em fevereiro de 2006. Serão 800 metros quadrados destinados a apoiar pessoas que ainda nem têm um plano de negócio. Só idéias. O outro mito desfeito é a falta de dinheiro. Para a fase inicial do negócio, este não é o caso. "Os recursos existem", diz Risola, do Cietec. Recentemente, três empresas da incubadora ganharam R$ 500 mil cada, da Fapesp e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). "Só a Fapesp destinou R$ 6,2 milhões a 55 empresas com as quais trabalhamos nos últimos três anos e meio", afirma. Para este ano, a Fapesp prevê investir R$ 500 milhões em projetos de pesquisa em São Paulo. "Um terço dos investimentos será para bolsas de estudo de mestrado e doutorado, sem o que não há pessoal preparado para criar empresas", diz Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da fundação. Só em um dos programas existentes - o de Pesquisa Inovativa na Pequena Empresa (Pipe) - a Fapesp já financiou 450 companhias desde 1998, com recursos não reembolsáveis de até R$ 500 mil. Isso não quer dizer que não existam desafios na transferência de tecnologia. Basta comparar os indicadores brasileiros com os de outros países para perceber que há uma grande distância a vencer. "As coisas melhoraram, mas ainda estão longe do ideal", diz Luiz Nunes de Oliveira, pró-reitor de pesquisa da Universidade de São Paulo (USP). É difícil conseguir dinheiro para a segunda fase das empresas nascentes, quando o protótipo está pronto e chega a hora de colocar o produto no mercado. "Nos EUA, os agentes de financiamento nesta etapa são os capitalistas de risco", diz Brito Cruz. No Brasil, com a falta de exemplos bem-sucedidos de investimento na área, chegar a um acordo com os fundos é mais difícil. Outra barreira é o fraco grau da pesquisa nas empresas. Este, talvez, seja o maior desafio. "Poucas têm departamentos especializados. Com isso, o pesquisador não encontra interlocutores nas companhias", diz o pró-reitor da USP. O problema é apontado por outros especialistas. "Enquanto há 120 mil cientistas trabalhando nas empresas coreanas e 800 mil nas americanas, no Brasil existem menos de 11 mil", compara Brito Cruz, da Fapesp. É possível perceber, no entanto, sinais de amadurecimento. A Petrobras e a Ci&T, de software, instalaram laboratórios dentro da Unicamp. E há casos de quem "trocou" de lado, como José Fernando Perez. Depois de 11 anos na Fapesp, onde chegou a diretor científico, ele foi para uma empresa de biotecnologia, a PP&D Biotech, ainda em fase de formação. "Dificilmente haveria um momento mais apropriado para fazer isso", diz ele. "Os atores estão todos sensibilizados."