Título: Durval reaparece e faz ameaças
Autor: Bernardes, Adriana
Fonte: Correio Braziliense, 31/03/2010, Cidades, p. 29

Delatordo suposto esquema de corrupção manda recados aos deputados, nãoresponde a nenhuma pergunta da CPI e diz que se autoincriminou porquenão aguentava mais achaques de Arruda e Paulo Octávio

Na primeira aparição pública desde que aOperação Caixa de Pandora foi deflagrada pela Polícia Federal há quatromeses, Durval Barbosa, delator do suposto esquema de corrupção, fezacusações e mandou recados. Na sessão extraordinária da CPI daCodeplan, ele afirmou que teve a coragem de se autoincriminar porquenão aguentava mais os achaques do ex-governador Arruda, doex-governador Paulo Octávio, de secretários e deputados envolvidos.Garantiu ainda que o o rolo compressor vem aí e nem começou. Quemtiver sua culpa que assuma, disparou.

O principal personagem do escândalo de corrupção no DistritoFederal conquistou na Justiça o direito de não responder às perguntasdos integrantes da CPI. Poderia até permanecer calado, se assimjulgasse conveniente. A sessão durou apenas 40 minutos. Durante essetempo, Durval Barbosa falou por oito minutos, no máximo. O pouco que seouviu dele foi em resposta, principalmente, às provocações do deputadoBatista das Cooperativas (leia quadro ao lado).

Na sessão da CPI da Codeplan, ficou evidente que o silêncio deDurval não é porque ele já não tem mais o que falar. Ele deixou claroque, ao se negar a colaborar com a CPI, o fazia por não confiar naCâmara Legislativa e porque seu compromisso é com os órgãos, comoPolícia Federal e Ministério Público, onde prestou depoimento. Eu meassegurei ao direito de não falar justamente para não atrapalhar asinvestigações, afirmou.

Defesa

Os advogados de defesa do ex-governador José Roberto Arruda (sempartido), preso desde 11 de fevereiro acusado de tentar subornar ojornalista Edson Sombra, e do ex-vice-governador Paulo Octávio,desclassificaram as afirmações de Barbosa sobre os supostos achaquesque teria sofrido dos dois chefes do Executivo.

Antônio Carlos de Almeida Castro, advogado de Paulo Octávio, disseque a palavra de Durval Barbosa não tem nenhum valor jurídico. E que asociedade não merece ficar refém desse cidadão. Segundo AntônioCastro, o delator só conseguiu apresentar vídeo de 5% das denúnciasfeitas até agora. Ele tem que provar isso (os achaques). O Durvalvídeo vale alguma coisa, desde que periciado pela PF e comprovada averacidade das gravações. Não temos porque responder à pessoa que atacaindeterminadamente as pessoas sem nenhuma prova ou testemunha quecorrobore com o que ele fala, defendeu o advogado.

Nélio Machado, um dos advogado de defesa de Arruda, seguiu a mesmalinha. Disse que Durval se caracteriza pelo prontuário de antecedentesnegativos. A Justiça já o identificou, há algum tempo, como sendo, naverdade, um meliante. Pessoa que agiu à margem da lei traindo aconfiança e tentando fazer extorsões, acusou. Machado desafiou Durvala fazer todas as denúncias que tiver a fazer. E disse que Arruda falaráem juízo, após ter acesso irrestrito ao inquérito do Superior Tribunalde Justiça. Não estou brincando de defender o governador Arruda. Euconfio na liberdade dele e vou lutar por isso. A prisão dele hoje édesnecessária e ultrapassa qualquer limite de razoabilidade, disse.

Lista

Ao contar o que sabia para a PF e o MP em troca da delaçãopremiada, o ex-secretário de Relações Institucionais já derrubou oentão governador José Roberto Arruda (sem partido), o vice-governadorPaulo Octávio (sem partido). Suas denúncias obrigaram dois distritais,Leonardo Prudente (sem partido) e Júnior Brunelli (PSC), a renunciaremao mandato. A lista de deputados e suplentes envolvidos seria compostapor 26 nomes, muitos deles ainda desconhecidos.

Os integrantes da CPI já esperavam o silêncio de Durval Barbosa,mas foram surpreendidos com as insinuações dele de que não confiava naCâmara Legislativa. Eu não quero gozar da confiança do depoente não,muito pelo contrário, disse Batista das Cooperativas. O deputado disseque não se sente ameaçado pelo rolo compressor que Durval disse estarpor vir. Eu sou governista, vou ser sempre ser governista e estareiajudando o Estado, votando no que é bom e rejeitando o que é ruim. Quemnão deve, não teme, afirmou.

Próximos passos

Após o depoimento de Durval Barbosa, os integrantes da CPI daCodeplan decidem hoje quais são os próximos passos. A presidenta dacomissão, deputada Eliana Pedrosa, disse que, para evitar asdificuldades de convocação dos supostos envolvidos no esquemadenunciado por Barbosa, a CPI vai usar o elemento surpresa naconvocação.

Na próxima segunda-feira, os integrantes da CPI vão ouvir osrepresentantes da TBA e da Adler Assessoramento Empresarial. SegundoDurval Barbosa, essas duas empresas alimentavam esquema de pagamentos adeputados da base de apoio ao governo. A deputada não descarta apossibilidade de a CPI ouvir o ex-governador José Roberto Arruda (sempartido) e do ex-vice-governador Paulo Octávio, como sugeriu Barbosaontem.

Colaborou Noelle Oliveira

As reações dos deputados

Distritais comentam as provocações e ameaçasfeitas por Durval, mas não estão dispostos a pagar para ver o que vemdo rolo compressor

Samanta Sallum

Luisa Medeiros

As provocações, recados e insinuações deDurval Barbosa produziram reações diversas na Câmara Legislativa, masnenhuma contundente. Foram poucos os deputados distritais cominiciativa ou disposição em comentar. Não se ouviu ontem em plenáriodiscursos acalorados em defesa da Casa, colocada sob suspeita porDurval ao comentar que não falaria à CPI porque já tinha se pronunciadoàs instâncias em que confiava.

A gente tem que superar essa fase de suspeição geral. Precisamoster acesso ao conteúdo total do inquérito, mas com o que já estádivulgado dá para a CPI trabalhar. Temos de virar essa página do que oDurval ainda vai fazer ou não, comentou a presidenta da CPI, ElianaPedrosa (DEM), tentando demonstrar que as provocações de Durval nãosurtiram efeito, pelo menos nela.

Eu não conheço ele. Não sei do que fala. Não tenho nada a ver comisso, limitou-se a dizer Cristiano Araújo (PTB). Não me surpreendeuque Durval ficasse calado. Eu não acreditava que ele iria acrescentaralgo, também despistou Alírio Neto (PPS). O comportamento dosdeputados ontem era de esforço para não vestir a carapuça lançada porDurval. A afirmação de um iminente rolo compressor deixa osdistritais desconfortáveis. Jaqueline Roriz (PMN) fez que não viu nemouviu. Não estava lá no depoimento. Não sei o ele que falou. Prefironão comentar.

Facilidade

Até no seu silêncio, Durval passou informações. Mesmo não falando,ele falou. Para mim, até foi farto o depoimento mesmo com habeascorpus, comentou Chico Leite (PT). Então ele não confia nem noirmão?, comentou um deputado, referindo-se a Milton Barbosa aocomentar a declaração de que Durval não confia na Câmara. O fato é quea maioria não quer comprar briga com Durval. Parece não querer pagarpara ver o que vem desse rolo compressor.

Deve vir mesmo. Não duvido que nem 50% das denúncias tenham vindoà tona ainda. Incomoda-se com isso quem tem algo a temer. O PT nãotem, avaliou o presidente da Câmara, Cabo Patricio (PT). Na opinião dodistrital Benedito Domingos (PP), um dos citados por Durval na Caixa dePandora, a Polícia Federal tinha que ter acabado com a facilidadedada ao delator das denúncias de corrupção no GDF durante o depoimento.Ele (Durval) tem a delação premiada e não pode só ficar soltandoameaças. Tem que contar logo o que sabe. Se vai vir o tal do rolocompressor, que venha desde 1999, disse o deputado, destacando que asdenúncias não podem ficar focadas na gestão de José Roberto Arruda.Ele descobriu que o ataque seria sua melhor defesa, afirmou RogérioUlysses (sem partido).

Força, deputado!

Ao término do depoimento de Durval Barbosa, umdefeito no carro do distrital Chico Leite (PT) movimentou a portaria daSuperintendência Regional da Polícia Federal. O Crossfox do deputadoenguiçou na saída do complexo policial e Chico Leite pediu ajuda avigilantes e cinegrafistas para empurrar o carro. À tarde, na CâmaraLegislativa, o distrital ainda permanecia furioso. O motivo: o carropassou pela revisão de um mecânico há menos de um mês.

Empresáriosintimidados

Noelle Oliveira

O jornalista Edmilson Edson Santos, conhecidocomo Edson Sombra, afirmou ontem que políticos e empresários doDistrito Federal estão intimidando outros empresários. Sombra falousobre o assunto depois de prestar depoimento na Polícia Federal sobre atentativa de suborno que sofreu para não revelar detalhes de um supostoesquema de corrupção no governo local.

O jornalista não identificou nomes nem revelou o teor das ameaças,mas destacou que a máquina pública continua sendo usada no possívelesquema de repasse ilegal de verbas, mesmo após a Operação Caixa dePandora ter sido deflagrada pela PF, em novembro do ano passado. Alémde Sombra, outras 13 pessoas foram convocadas para prestar depoimentoontem. Desses, três falaram: Paulo Pestana, ex-assessor da secretariade Comunicação Social do GDF; Adaílton Barreto Rodrigues, ex-assessorda secretaria de Educação; e Toni Brixe, presidente do grupo Vertax,que presta serviços na área de tecnologia da informação para o governo.O conteúdo dos depoimento não foi divulgado.

Sombra também criticou o fato de figuras importante citadas noInquérito nº 650, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como oex-governador José Roberto Arruda (sem partido) e o ex-vice PauloOctávio, optarem por se manter em silêncio durante seus depoimentos àPF. Entendo o silêncio, mas ao mesmo tempo não entendo. Acho que todosdeveriam falar, sem exceção. Eles têm muito a contribuir com aJustiça, disse.

O delegado Elmiz Rocha Júnior, responsável pela tomada dedepoimentos, afirmou que as oitivas seguirão até amanhã, quando serãoencerradas. Na próxima semana os autos devem ser encaminhados para oSTJ. Nesta quarta-feira, a Polícia Federal espera ouvir setedepoimentos, entre eles, os dos deputados distritais Benício Tavares(PMDB), Rogério Ulysses (sem partido) e Eurides Britto (PMDB). Tambémdevem comparecer à PF, o ex-deputado Júnior Brunelli (PSC), oex-secretário Roberto Giffoni (Ordem Pública e Defesa Social), além deMariane Vincentini, ex-mulher de José Roberto Arruda.

Perfil

Quase 40 processos

Guilherme Goulart

O homem-bomba por trás da Operação Caixa dePandora, da Polícia Federal, tem perfil camuflado entre a coragem e aloucura. De delegado da Polícia Civil do Distrito Federal a chefias decargos administrativos assumidos no primeiro escalão nos últimosgovernos de Joaquim Roriz (PSC) e José Roberto Arruda (sem partido),Durval Barbosa se especializou em comportamentos capazes de confundirtanto aliados quanto adversários. Foi assim que ele se tornou um dosprincipais protagonistas do escândalo responsável pela implosão dagestão Arruda.

Durval é o homem que entregou à polícia as escutas ambientais quederam início à investigação policial sobre o suposto sistema depagamento de propina do Governo do Distrito Federal (GDF) em troca deapoio para deputados distritais da base aliada. Depois de anos à frentede contratos sem licitação com empresas de informática ao longo dogoverno Roriz e com poder mantido no governo Arruda, ele se ofereceu àPolícia Federal para gravar imagens do esquema de corrupção. Conseguiu,assim, entrar no Programa de Proteção à Testemunha do Ministério daJustiça.

Ex-colegas de Polícia Civil contaram ao Correio que o temperamentoexplosivo dele levanta dúvidas quanto às intenções de Durval. Ele é umcara operacional, inteligente e competente. Tinha uma relação boa comos colegas, era leal, mas tomava determinadas atitudes que ficavamentre o corajoso e o louco, explicou um agente da Polícia Civil do DF,que preferiu não se identificar. Segundo ele, o então delegado Durvalficava na linha de tiro, se preciso. Revelava um perfil de rua e deação policial, jamais de escritório.

Enquanto esteve na corporação, Durval esteve à frente de pelo menosdois cargos importantes. Chefiou a 3ª DP (Cruzeiro) e a carceragem daantiga Companhia de Polícia Especializada (CPE), atual Departamento dePolícia Especializada (DPE). Tais posições serviram de argumento paraque os advogados de um sobrinho condenado por assassinato pedissem amanutenção do acusado na unidade policial do Cruzeiro em 2004. Alegaramque o jovem sofreria violência de homens com inquéritos apreciados porparentes o pai é delegado aposentado e presos na Papuda.

Série de crimes

As ações de Durval no GDF começaram em 1999, quando até 2006,esteve à frente de contratos feitos sem licitação e operados por meiodo Instituto Candango de Solidariedade (ICS). Por vários anos, enquantofoi presidente da Codeplan, manteve as contratações com o argumento deque a entidade era reconhecida como Organização da Sociedade Civil deInteresse Público (Oscip). Mesmo assim, o Ministério Público do DFconsiderou o esquema criminoso. O órgão o denunciou em 12 ações penais,cinco de responsabilidade civil, duas populares, seis de improbidadeadministrativa e 12 civis públicas.

Durval responde ainda a mais de 30 processos cujos valores dascausas são de proporções milionárias. Juntas, as ações abertas contraDurval Barbosa no Tribunal de Justiça do Distrito Federal(TJDF), alémdaquelas movidas pela Corregedoria-Geral do DF, chegam a uma quantia dequase R$ 500 milhões. O valor refere-se à estimativa dos órgãos decontrole para as movimentações supostamente ilegais. De acordo com asdenúncias, apuradas desde 2000, pelo menos R$ 432 milhões teriam sidodesviados a partir de cargos estratégicos assumidos por Durval no GDF.