Título: Brasil e Japão: um novo paradigma
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 25/05/2005, Brasil, p. A2

O principal desafio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no cortejo ao Japão, será fundar uma nova relação entre o Brasil e a segunda maior economia do planeta. O momento é favorável. O Japão, depois de passar mais de uma década com a economia estagnada, voltou a respirar e a dar sinais de que pretende olhar para o Brasil com atenção, após duas décadas de afastamento. Um novo relacionamento é necessário. Nos últimos 20 anos, as duas nações mudaram muito. Nos anos 70, quando transformou o Brasil em prioridade de sua política de investimento no exterior, o Japão crescia a taxas elevadas, mas estava isolado na Ásia. Seus vizinhos possuíam economias pobres e frágeis. Foi sintomática, portanto, a escolha do Brasil para investimento estratégico. Os japoneses procuraram uma economia fora de seu ambiente geográfico. O objetivo foi estimular o Brasil a se tornar um grande produtor de alimentos e matéria-prima. Por isso, o Japão participou de forma ativa no financiamento de grandes projetos nacionais - nas áreas siderúrgica e petroquímica, por exemplo - e na ampliação da fronteira agrícola (especialmente no desenvolvimento do cerrado). Abalado pela crise da dívida externa nos anos 80, o Brasil frustrou em boa medida os investidores japoneses. Na década seguinte, foi a vez de a própria economia japonesa entrar em estagnação. No período em que se afastaram, as duas nações redefiniram suas prioridades. Os vizinhos do Japão entraram em rota acelerada de crescimento econômico, passando a demandar atenção do país mais rico da Ásia. Com o desenvolvimento da locomotiva chinesa, o Japão deixou, por outro lado, de ser senhor absoluto em seu continente. "A divisão de liderança na Ásia com a China também fez com que o Japão passasse a olhar mais para seu ambiente geográfico", atesta o embaixador Mário Vilalva, diretor do Departamento de Promoção Comercial do Itamaraty. O avanço chinês obrigou os japoneses a saírem de um certo isolamento. Já o Brasil, tendo perdido prestígio nos anos 80 junto a seus principais financiadores, voltou-se para a América do Sul. Foi um caminho natural. Nos últimos tempos, o governo japonês tem corrido para fechar acordos de livre comércio; já acertou com Cingapura e México, está em vias de concluir com a Malásia e iniciou negociações com as Filipinas. A economia japonesa dá sinais de que voltou a andar nos trilhos. Já o Brasil, depois de uma década de reformas liberalizantes e baixas taxas de expansão, está crescendo e sinalizando que pode entrar num período de crescimento sustentado.

Estado japonês induz empresas

Nesse novo momento das duas economias, surgem claras condições para uma reaproximação. A dúvida agora é saber em que termos ela se dará. O Brasil mudou muito em relação aos anos 70. Naqueles anos, o país exportava basicamente produtos básicos. Hoje, 60% da pauta de exportação é composta de produtos manufaturados. Apesar disso, o mercado japonês segue comprando essencialmente matérias-primas do mercado brasileiro. Desde meados dos anos 90, os desembolsos de financiamentos japoneses por empresas brasileiras, principalmente pela Petrobras, cujo risco de crédito é menor que o do Brasil, voltaram a se intensificar. Nessa viagem do presidente Lula a Tóquio, novos contratos serão assinados, mas, na verdade, eles não dependiam da visita oficial para serem concretizados. A assinatura durante a visita presidencial tem valor mais simbólico do que efetivo. O salto que se quer dar é outro, e aí a viagem do presidente é muito importante. Ao contrário dos anos 70, o foco agora não é atrair os japoneses para financiar grandes projetos nacionais, embora financiamentos oficiais sejam sempre muito bem-vindos. A meta é abrir caminho para que empresas brasileiras realizem negócios no Japão e que as japonesas invistam no Brasil. Num mundo globalizado, o comércio intrafirma entre os dois países é modesto ou quase inexistente. Há uma razão forte para que o governo brasileiro procure intensificar o diálogo político com Tóquio. No Japão, existe uma espécie de aliança sacrossanta entre Estado e iniciativa privada. Ao contrário do que acontece no Brasil, o governo japonês tem grande capacidade de induzir a iniciativa privada a caminhar nessa ou naquela direção. Depois de visitar o Brasil no ano passado, o primeiro-ministro japonês Junichiro Koizumi criou, por exemplo, comissão para estudar a possibilidade de seu país vir a adicionar etanol à gasolina. Esta é, sem dúvida, uma das grandes ambições brasileiras na pauta de seu relacionamento com o Japão. Maior produtor e exportador de álcool do mundo, o Brasil quer se tornar fornecedor confiável de um mercado bilionário. A comissão criada por Koizumi já concluiu seu relatório, mas só deverá anunciar os resultados em junho. Nos contatos diretos que terá com Lula, o primeiro-ministro poderá fazer algum aceno sobre o pleito brasileiro. Pessoalmente, Koizumi tem levado o assunto a sério, apesar da resistência do setor petrolífero de seu país. Aparentemente, há da parte do primeiro-ministro japonês interesse em realmente estreitar os laços com o Brasil. A imprensa japonesa informou no fim de semana que ele deverá anunciar, durante a visita de Lula e seus ministros, medidas de estímulo para que os dekasseguis entrem no sistema de previdência social do Japão. A melhora do tratamento dado aos brasileiros que vivem no país oriental é uma reivindicação histórica. Se realmente fizer um aceno nessa área, Koizumi estará dando à reaproximação entre as duas nações um caráter excepcional. Restará ao Brasil não perder a chance de ser novamente um parceiro estratégico e prioritário do Japão.