Título: Economia dá fôlego a Kirchner após dois anos
Autor: Rodrigo Uchôa
Fonte: Valor Econômico, 25/05/2005, Internacional, p. A9

"Que as pessoas digam: se fizeram coisas boas ou regulares, então merecem aval e confiança para continuar governando." A frase é do presidente Néstor Kirchner ao pedir ontem aos argentinos que lhe dêem maioria nas eleições parlamentares de outubro. Ao completar dois anos de mandato hoje, Kirchner pode exibir resultados surpreendentes, se comparados com as perspectivas do início do mandato, mas ainda luta para consolidar sua base política, ancorada num partido fragmentado. O presidente fala da necessidade de que os argentinos "aprovem" seu governo. "Ou será difícil governar", diz. "Um presidente sem aval da sociedade não pode tomar as decisões globais e permanentes". A popularidade de Kirchner, por volta de 70%, está só um pouco abaixo dos 75% de aprovação obtidos após jogadas espetaculares como a queda-de-braço com o FMI e fim da moratória. O presidente ainda capitaliza esses feitos. No início de março, quando foi ao Congresso declarar finda a moratória de US$ 81,8 bilhões em títulos com credores internos e externos, o presidente anunciou "o maior desconto da dívida" já realizado, 75%. Naquele momento, chegou a ter 85% de aprovação. A ida ao Congresso também foi simbólica: ele discursou do mesmo lugar onde, sob intensos aplausos, o presidente Adolfo Rodriguez Saá havia declarado a moratória, em outubro de 2001. Entre outubro de 2001 e maio de 2002, o número de empregados caiu num ritmo anualizado de 8%, afetando mais os trabalhadores de menor nível de especialização e formação. O desemprego bateu os 20%. "Segundo dados do próprio governo, os setores mais prejudicados foram o comércio e a construção civil, que servem de termômetro para o comportamento da classe média", afirma o economista argentino Roberto Lassalle. Em 2001, o PIB regrediu 4,4%. O presidente Eduardo Duhalde acabou com o sistema de conversibilidade em janeiro de 2002, ano em que o PIB regride 10,9%. Mas aí a desvalorização deu impulso à impressionante recuperação das exportações, fazendo com que, da moratória até agora, US$ 20 bilhões fossem adicionados às reservas cambiais. Quando Kirchner chega à Presidência, após a desistência do ex-presidente Carlos Menem de disputar o segundo turno com ele, a arrecadação tributária do país já estava crescendo: de 2001 para 2004, ela duplicou. O desemprego caiu para 12% neste ano. O setor privado recuperou-se, mas as frentes de trabalho criadas pelo governo, e sustentadas pela elevação da carga tributária sobre o setor formal, contribuíram em 21% para o aumento do emprego entre 2002 e 2004. O mercado de trabalho continua sendo alvo de críticas dos que pregam reformas liberais. O Banco Mundial mede, em índices que vão de 0 a 100 (de mais flexível a mais rígido), os fatores de mercado que, juntos, formam o Índice Geral de Rigidez do Mercado. Nele, a Argentina marca 51 pontos, acima da média sul-americana, que é de 44 pontos, e bem acima da média dos países da OCDE, de 34,4 pontos. Segundo o Banco Mundial, para abrir uma empresa na Argentina são necessários 32 dias, com um custo de US$ 500. Nos EUA são 5 dias, com US$ 210. "Esses são problemas que têm de ser atacados para criar uma atmosfera mais favorável aos negócios na Argentina daqui para frente", afirma Lassalle. A ameaça de escassez de energia e um possível repique da inflação também assombram o governo. São dois problemas com os quais Kirchner terá de lidar em breve. Por outro lado, seu problema mais premente na área política é reforçar seu poder no Partido Justicialista, onde disputa a proeminência contra o mesmo Duhalde que o levou à Presidência. Alguns analistas até atribuem a queda-de-braço de Kirchner com o Brasil a um reflexo da briga interna pela liderança do partido. Pois é nesse campo político que Kirchner age agora para abrir o leque de aliados e se fortalecer. Ontem, ele disse que trabalhará pela construção de uma "Frente para a Vitória" para a eleição no Congresso. Essa frente teria seu eixo "no Partido Justicialista e que será apoiada por numerosíssimas forças independentes", afirma. Mesmo trabalhando para chamar mais aliados, Kirchner não deixa de usar um tom de ameaça velada, lembrando os anos de tumulto que precederam seu governo: "Não gosto de assustar as pessoas com o caos, com o discurso de vida de morte. Esse é um discurso que tem de desaparecer na Argentina. Mas um presidente derrotado em outubro fica em uma situação muito difícil".