Título: De volta ao tempo perdido
Autor: Antonio Delfim Netto
Fonte: Valor Econômico, 24/05/2005, Brasil, p. A2

Ninguém deve ignorar que a melhora da situação econômica brasileira em 2004/2005 foi produto da recuperação das exportações a partir da liberalização cambial de 1999. É preciso lembrar que essa formidável expansão foi turbinada pela desvalorização do real em relação ao dólar durante a batalha sucessória em 2002 e pela melhoria importante dos preços internacionais desde o início do ano eleitoral. A liberação cambial foi corretamente entendida pelos empresários e exportadores como um fato definitivo na história do país, porque ninguém de bom senso poderia imaginar que as autoridades não tivessem o mínimo de memória para saber que foram as fracassadas intervenções na política cambial dos últimos 20 anos que levaram o país a tornar-se um dos maiores riscos de investimento do mundo emergente. Outros dois fatores (a superdesvalorização e o aumento de preços) foram menos percebidos e, freqüentemente, tomados também como permanentes, o que dificulta o cálculo da taxa de câmbio real de equilíbrio. O quadro abaixo mostra a incompetência da política econômica que retardou o crescimento do Brasil até 2002: Se tomarmos a média das exportações de 1980-84, o Brasil, a Coréia e a China estavam no mesmo nível, e a Irlanda num patamar 50% abaixo. De fato, vínhamos mantendo nossa posição com essas "testemunhas" desde o impulso dado ao setor exportador a partir de 1965-67. É importante observar que a recente resposta do setor exportador brasileiro ao estímulo cambial só se verificou depois do "overshooting" a que nos referimos. O tamanho da resposta mostra, entretanto, que ele estava sendo preparado anteriormente (talvez de 18 a 24 meses). O volume exportado pelo país num determinado ano costuma ser função de algumas variáveis: 1) volume de exportações realizado no ano anterior, isto é, o "tamanho do mercado" que já conquistou; 2) volume das exportações mundiais (que depende do crescimento da economia mundial); e

Incompetência retardou crescimento até 2002

3) a taxa de câmbio efetiva, que lhe dá a possibilidade de disputar um pedaço do aumento das exportações criado pela ampliação do comércio mundial. Normalmente, a taxa de câmbio é um fator importante, mas sua medida é difícil, pelo fato de que seus efeitos incorporam-se, a cada ano, ao aumento das exportações que consolidam o mercado para o ano seguinte. Em outras palavras, a exportação do ano anterior incorpora o efeito marginal de aumento da competitividade produzido pela taxa de câmbio. Em geral, entretanto, a variável mais crítica é o volume do comércio mundial, pois ele abre um espaço ainda não ocupado, e disputado por todos os exportadores, de acordo com sua capacidade competitiva, determinada por muitos fatores (distância, eficiência nos portos, tradição de qualidade etc.), o menos importante dos quais não é, certamente, o valor da taxa de câmbio efetiva do país com relação à do universo dos seus concorrentes. Voltemos agora ao quadro apresentado acima. No período 1980-2002, é visível a construção da inferioridade dos exportadores brasileiros, não somente com relação a coreanos e a chineses, mas até mesmo diante da recuperação da pequena Irlanda com seu formidável "choque de oferta" de 1987. A taxa de crescimento anual não a reflete totalmente: a diferença entre 5,3% ao ano (do Brasil) e 10,8% (da Coréia) parece pequena, mas, acumuladas nos 22 anos, elas setuplicaram as exportações coreanas, enquanto apenas triplicaram as brasileiras... A reação de nossas exportações a partir de 2002 (isto é, em 2003 e 2004) foi notável: nosso crescimento foi o dobro do da Irlanda e praticamente igual ao da Coréia, apesar de termos ficado devendo para a China. Nossas exportações em 2005 continuam vigorosas devido ao efeito "hereditário" de 2004 e à expansão do comércio mundial. São ainda pouco sensíveis os efeitos, na margem, da sobrevalorização cambial, que estamos produzindo por uma política monetária que persegue metas inflacionárias ambiciosas. É claro que nenhuma intervenção do Banco Central poderá alterar de maneira permanente essa sobrevalorização, pois ela depende das fantásticas arbitragens produzidas pelo imenso diferencial entre a taxa de juro real interna e externa. Estamos outra vez no caminho equivocado: voltamos a

subestimar os custos da sobrevalorização cambial, que crescem infinitesimalmente despercebidos, até produzir seus efeitos devastadores sobre os investimentos no setor exportador.