Título: Receita cobra R$ 2 bi da Ambev em tributos sobre lucro no exterior
Autor: Marta Watanabe
Fonte: Valor Econômico, 24/05/2005, Brasil, p. A2

A Eagle, empresa controlada pela Companhia de Bebidas das Américas (Ambev) foi autuada em R$ 2,016 bilhões pela Receita Federal. A fiscalização alega que a empresa deixou de pagar Imposto de Renda (IR) sobre lucros obtidos no exterior. Lançada no primeiro trimestre do ano, a cobrança contra o grupo Ambev engrossou o volume recorde de autuações fiscais registrado pela Delegacia de Assuntos Internacionais (Deain) da Receita Federal de janeiro a abril deste ano. Nesse período a delegacia lavrou R$ 3,4 bilhões em autuações em São Paulo, volume que já ultrapassa os R$ 2,04 bilhões autuados durante todo o ano de 2004. No caso da Ambev, as autuações fiscais se juntam a outras que o grupo já tinha sobre o mesmo assunto. Com as novas cobranças do primeiro trimestre, a empresa acumula R$ 3,019 bilhões em autuações sobre lucros no exterior. As operações que foram alvo do Fisco se referem a lucros apurados por duas subsidiárias da Eagle: Jalua, na Espanha, e Monthiers, no Uruguai. O gerente de relações com investidores da companhia, Pedro Ferraz Aidar, explica que a Eagle é a holding de empresas sediadas em diversos países da América do Sul. "A companhia coloca em prática um planejamento fiscal baseado em acordos internacionais assinados entre os países, de forma a minimizar a tributação na holding." A Receita autuou lucros apurados pelo grupo da Ambev entre 1999 e 2002. Segundo Aidar, a empresa apresentou defesa e aguarda decisão em processo administrativo. "A legislação sobre tributação de lucros no exterior é bastante controvertida, com muita discussão no próprio governo", diz Aidar, mencionando a recente tentativa do governo federal de determinar a tributação das variações cambiais de participações no exterior por meio da MP nº 232/2004. Segundo ele, parte dos valores autuados pela Receita se refere à discussão sobre IR nas variações cambiais. A companhia alega que a Receita Federal diverge da interpretação da empresa sobre os lucros que foram "disponibilizados" e sujeitos à tributação. A companhia também alega que o Fisco desconsidera a existência de tratado para evitar dupla tributação entre Brasil e Espanha. Além disso, a Ambev discorda dos valores que foram levantados pela Receita. A Ambev não tem provisões para os R$ 3,019 bilhões em autuações sobre lucros no exterior. "A companhia defende que essas cobranças não são devidas", diz Aidar. Segundo ele, o assunto ainda não foi alvo de julgamento em última instância do Judiciário, o que suporta a decisão da empresa. Do total autuado, a companhia declara em balanço que, baseada na opinião de consultores legais, considera a probabilidade de perda como possível no montante de R$ 1,95 bilhão, e como remota no valor de R$ 1,062 bilhão. A tributação de lucros apurados por controladas e coligadas no exterior é uma das três áreas fiscalizadas pela Deain em São Paulo. No ano passado, essa tributação representou 68,63% das autuações lavradas pela delegacia. A Deain também fiscaliza preços de transferência, como são chamadas as operações internacionais entre empresas do mesmo grupo, e a valoração aduaneira, com a verificação dos valores declarados na importação. Segundo o titular da Deain, Francisco Labriola, a Receita vem conseguindo decisões favoráveis no Conselho de Contribuintes em autuações de IR sobre lucros no exterior. A divergência entre Fisco e empresas sobre os ganhos do exterior que estão sujeitos à tributação existe desde 1995, quando a legislação brasileira passou a prever a tributação em bases universais. Até então vigorava a territorialidade, pelo qual as empresas recolhiam tributos somente sobre os lucros apurados no Brasil. A cobrança dos ganhos do exterior foi inicialmente regulamentada em 1996. De acordo com a legislação em vigor na época, somente os lucros distribuídos ou disponibilizados de alguma forma ficavam sujeitos ao pagamento do IR. De lá pra cá, a controvérsia tem ficado por conta de definir o que é lucro disponibilizado ou não. Em 2001, uma medida provisória definiu que todos os lucros apurados desde 1996 por controladas e coligadas no exterior deveriam ter sido submetidos à tributação no fim de 2002, mesmo que não tivessem sido disponibilizados.