Título: Estudo sugere que país volte a usar poupança externa para crescer
Autor: Chico Santos
Fonte: Valor Econômico, 24/05/2005, Brasil, p. A3

Economistas querem ampliação da taxa doméstica com corte de gasto público

O Brasil está em condições de, até 2010, alcançar uma taxa de investimento equivalente a 25% ou 26% do Produto Interno Bruto (PIB), consistente com uma taxa anual de crescimento econômico entre 4% e 4,5%. Para isso, são necessárias medidas que consolidem e ampliem o "notável" crescimento da taxa de poupança doméstica, de 7,8 pontos percentuais, nos últimos cinco anos. É preciso também que o país faça, a médio prazo, uma correção de rumo nas contas externas, transformando o superávit em conta corrente dos últimos dois anos em um "moderado" déficit e se beneficiar da poupança externa. E que os gastos públicos sejam preferencialmente dirigidos para investimentos, colocando um "freio" em despesas que estimulariam o gasto privado, como as previdenciárias e assistenciais. Essas são, em resumo, as conclusões de um estudo inédito dos economistas Fabio Giambiagi, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Fernando Montero, da corretora Convenção, denominado "O Ajuste da Poupança Doméstica no Brasil: 1999/2004". O trabalho de 43 páginas parte do princípio de que o debate sobre os ajustes sofridos pela economia brasileira a partir de 1999 tem enfocado fartamente dois deles, o das contas públicas (fiscal) e o das contas externas, mas praticamente esquecendo um terceiro, o ajuste da poupança doméstica e seu efeito sobre o futuro dos investimentos como proporção do PIB. De acordo com dados do IBGE, a taxa de poupança doméstica evoluiu de 15,4% do PIB em 1999 para 23,2% em 2004. "Se isso (o salto na poupança) for confirmado e não for revertido nos próximos anos, o país teria plenas condições de alcançar até o fim da década uma formação bruta de capital fixo (taxa de investimento) que possibilite um horizonte de expansão (do PIB) a taxas superiores à da média dos últimos 20 anos. Em particular, a mensagem básica é a de que uma melhora na poupança externa da ordem de 3% do PIB em relação aos níveis de 2004, combinada com aumento marginal de aproximadamente 2% do PIB da poupança doméstica, pode permitir que alcancemos até 2010 uma taxa de investimento na faixa de 25%/26% do PIB", diz o texto. Os autores estimam, considerando uma série de cálculos econométricos, que cada um ponto e meio de aumento da taxa de investimento corresponde a meio ponto a mais de crescimento do PIB. Para uma meta de crescimento sustentado no tempo de 3% ao ano é necessária uma taxa de investimento de 21%, e para chegar a 5% anuais de aumento do PIB seria necessária uma taxa de investimento de 27% desse PIB. Com base em uma série histórica do PIB e da renda per capita de 1951 a 2005 (admitindo um crescimento de 3,8% para o PIB neste ano), Giambiagi e Montero concluem que se crescer 4,5% ao ano daqui para a frente, com um crescimento populacional de 1,2% ao ano, a renda per capita brasileira aumentará mais (cerca de 3,3% ao ano) que os 2,7% do período 1951/2005, quando a taxa de incremento econômico foi de 5% mas a população aumentou 2,3% anuais, em média. Para sustentar esse crescimento, a poupança doméstica ganharia o reforço de uma retomada pelo país da importação líquida de capitais, vale dizer, de um "pequeno" déficit nas transações correntes do Brasil com o resto do mundo, em vez do superávit de 1,9% obtido no ano passado. "Não faz sentido um país com todas as nossas carências virar exportador líquido de capitais", argumentam os autores. Uma inversão "em dois ou três anos" do resultado de 2004 para um déficit da ordem de 1% daria a contribuição de 3% do setor externo à taxa de investimento prevista no trabalho. Quanto ao aumento adicional da poupança doméstica, os autores defendem que ele deve vir associado a uma redução do consumo (do governo e das famílias) como proporção do PIB dos 74% do ano passado para cerca de 72%. Isso ocorreria com o consumo crescendo um pouco abaixo da taxa de crescimento do PIB. Eles também alertam que os gastos do governo devem ser direcionados de modo a não afetarem negativamente a poupança privada. Aqui aparece o ponto mais polêmico do trabalho. Segundo os autores, uma das formas de evitar que os gastos do governo tenham esse impacto indesejável seria reduzir, como proporção do PIB, o volume de benefícios previdenciários e assistenciais transferidos à população. Segundo eles, essas despesas "representam transferências de recursos para uma fração da população cuja propensão a consumir é próxima a 100%, pelo estágio do ciclo de vida em que se encontra". Segundo Giambiagi, não se trata de mexer em direitos adquiridos. "A questão é como se alocar os recursos públicos adicionais daqui para adiante". Ele avalia que se os recursos forem para investimentos acabarão dando um retorno maior para a população carente que os gastos assistenciais e previdenciários.