Título: Economia da Espanha começa a desacelerar e governo busca modelo
Autor: BusinessWeek
Fonte: Valor Econômico, 24/05/2005, Internacional, p. A9

Será que o milagre espanhol chegou ao fim? Depois de 11 anos de crescimento animador, o padrão de vida na Espanha melhorou muito, o desemprego caiu e as maiores empresas do país, do BBVA à Telefónica, têm um papel cada vez mais ativo no cenário internacional. Mas rachaduras estão aparecendo. O crescimento deverá ficar ao redor de 3% neste ano, mas os investimentos estrangeiros diretos estão caindo bastante, o déficit em conta corrente está aumentando, a inflação está em alta e o crescimento da produtividade está abaixo do resto dos 15 principais países da União Européia (UE). De 2007 em diante, bilhões de dólares em ajuda líquida que a Espanha recebe todos os anos da UE - equivalentes a 1% do PIB doméstico - começarão a secar. Esse dinheiro passará a ser direcionado para os membros mais novos e mais pobres da UE (os do Leste. Até 2013 a Espanha deverá ser um contribuinte líquido para os fundos de ajuda da UE. O país, então, terá de encontrar meios para financiar investimentos em escolas e infra-estrutura - como emitir títulos de dívida ou aumentar impostos - ou reduzir os gastos. Há muito tempo uma das economias de melhor desempenho da Europa, a Espanha precisa superar o modelo de baixos salários que permitiu a ela atrair grandes investimentos multinacionais e eliminar a diferença de renda com seus vizinhos mais ricos do norte. Mas ela ainda não foi bem nas tentativas de se juntar às fileiras dos países que fazem alta tecnologia, como Irlanda e Finlândia. Hoje, "a Espanha é um país desenvolvido, mas não um país avançado", diz José Antonio Herce, economista da Fundação de Estudos Aplicados de Economia de Madri. Nos últimos quatro anos, empresas como a Royal Philips Electronics, Levi Strauss, Lear e Samsung transferiram suas unidades de produção espanholas para o Leste Europeu ou a Ásia. O setor industrial espanhol também está sentindo o aperto. Centenas de empresas de setores de produtos de baixo valor, como o têxtil, estabeleceram linhas de produção no Marrocos. As empresas locais também começam a produzir na Ásia, incluindo aí a cooperativa industrial basca Mondragón e a Famosa, uma fabricante de brinquedos de Valência. Segundo o Banco da Espanha, o custo médio com salários aumentou de US$ 12,35 por hora em 1998 para US$ 17 no fim de 2004. O governo socialista do premiê José Luís Rodríguez Zapatero enfrenta o desafio urgente de reinventar o modelo econômico espanhol. Em fevereiro, o ministro da Economia e das Finanças, Pedro Solbes, anunciou um pacote com mais de uma centena de medidas com o objetivo de atrair capital estrangeiro, melhorar a produtividade, encorajar os investimentos em pesquisa e aumentar a competição em setores protegidos. Mas os economistas estão céticos e afirmam que o plano é vago demais. Se a Espanha não conseguir uma reorganização econômica urgente, corre o risco de se juntar ao grupo das economias estagnadas da Europa, que inclui Alemanha, Itália e França. A economia espanhola ainda cresce aceleradamente pelos padrões europeus, "mas seus motores do crescimento não estão acompanhando os tempos", disse Solbes. Embora os gastos públicos estejam sob controle, a incapacidade do governo de flexibilizar o mercado de trabalho e introduzir a concorrência em setores protegidos como o de eletricidade, serviços de telefonia móvel e distribuição no varejo, vem alimentando pressões inflacionárias. O sistema de negociação coletiva, por exemplo, atrela os aumentos dos salários à inflação. A alta dos custos trabalhistas espreme as multinacionais, tirando-as do mercado de produtos de baixa tecnologia e pouco valor agregado. "Investimos para melhorar nossa fábrica, reduzimos os custos e introduzimos escalas de trabalho flexíveis. Mas não foi suficiente", diz Maite Tarazona, funcionária da Philips Ibérica em Madri, que fechou sua unidade de fabricação de lâmpadas ano passado e transferiu a produção para a Polônia. Não surpreende que os investimentos diretos tenham caído de US$ 36 bilhões em 2002 e US$ 26 bilhões em 2003 para US$ 6 bilhões no ano passado. Outros sinais de alerta estão aparecendo nos números da inflação. Com uma taxa de 3,5% em abril (acumulada desde abril de 2004), quase 1,5 ponto percentual acima da média da UE, a Espanha poderia entrar em um regime de altas taxas de juros. Em vez disso, o país goza de umas das taxas mais baixas da Europa, graças ao Banco Central Europeu (BCE), que está com sua taxa referencial de juro a 2% para todos os membros da zona do euro, incluindo a Espanha. O BCE está concentrado na revitalização de França e Alemanha, e não em conter a inflação na Espanha. Agora, com o dinheiro tão barato, a demanda do consumidor disparou, provocando temores de um superaquecimento da economia. Os preços das residências dobraram desde 1997 e os inícios de obras de 700 mil novas moradias registradas na Espanha no ano passado foram mais que os números de Alemanha e França juntas. As exportações espanholas estão crescendo, mas as importações estão crescendo ainda mais, com os consumidores espanhóis absorvendo produtos mais baratos de todas as partes do mundo. "A Espanha está, no momento, subsidiando o consumo através dos juros baixos", diz o economista espanhol Fernando Fernandez. O déficit em conta corrente está ao redor de 5% do PIB, um sinal claro de que a Espanha está perdendo competitividade. Ainda mais perigoso para o longo prazo é o fato de que a economia não está criando um setor de alta tecnologia para sustentar o crescimento futuro. De 2000 para cá, a taxa de desemprego caiu de 14% para 10,8%. Mas quase 40% dos novos empregos estão em setores de baixa capacitação, como o da construção e o dos serviços domésticos, segundo dados da sindicato trabalhista CCOO. Mais de 30% dos trabalhadores espanhóis têm contratos temporários, a maior proporção registrada na UE. A construção responde por 9,5% do PIB. "Nosso modelo de crescimento serviu a um propósito no passado, mas agora está obsoleto", diz Almudena Briones, economista da Uníon General de Trabajadores (UGT), o maior sindicato da Espanha. O UGT está pressionando o governo para que implemente uma política industrial ativa em casa e pressione os governos asiáticos e melhorar as condições de trabalho e os salários. Para forjar uma economia mais competitiva globalmente, a Espanha precisa se esforçar mais para criar mercados de trabalho flexíveis, maior competição nos serviços e mais gastos com educação e pesquisa. Essas são o tipo de reformas que Alemanha, França e Itália vêm lutando para implementar, com pouco sucesso. No Programa Internacional de Avaliação do Estudante de 2003, a Espanha teve um desempenho inferior ao de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em matemática, leitura e ciências, indicando a necessidade de mais investimentos em educação. Mas eliminar a diferença tecnológica com o resto da Europa exigirá mais do que dinheiro. O ministro Solbes diz que melhorar a produtividade é uma das prioridades do governo. "Se não criarmos vantagens competitivas e não nos concentrarmos na qualidade, seremos punidos pelas forças do mercado".