Título: Importadores abrem temporada de recursos contra multas do BC
Autor: Francisco Góes
Fonte: Valor Econômico, 24/05/2005, Finanças, p. C2

O Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, o "Conselhinho", corre o risco de receber uma enxurrada de recursos movidos por empresas privadas contra multas de importação aplicadas pelo Banco Central desde 1997 e que, no ano passado, de acordo com estimativas do próprio BC, somavam R$ 25 bilhões, ou perto de 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB). O valor envolve cerca de 6 mil empresas intimadas pelo BC, a partir de 2002, a prestar informações sobre irregularidades cometidas cinco anos antes, em fechamentos de contratos de câmbio. Deste total, 1.947 processos administrativos punitivos, envolvendo multas de importação, foram arquivados até 18 de maio de 2005. Nos outros mais de 4 mil processos, o BC está fazendo as interpelações junto às empresas e deverá aplicar as multas se as irregularidades se confirmarem. Advogados e especialistas em comércio exterior consideram que há exagero na aplicação das multas. Elas foram originadas por medidas protecionistas não-tarifárias, em 1997, e regulamentadas pelas leis 9.817, de agosto de 1999, e 10.755, de novembro de 2003. A Lei 9.817/99 estabeleceu que fica o importador sujeito ao pagamento de multa diária quando não efetuar o pagamento de importação até 180 dias após o vencimento da obrigação prevista na Declaração de Importação (DI) - documento para desembaraço de mercadorias registrado no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), da Receita Federal. A multa é calculada com base em taxa prefixada de empréstimo para capital de giro, considerada exagerada pelas empresas. Um especialista em comércio exterior avaliou que a taxa é apurada segundo critérios pouco claros. Sidnei Correa Marques, chefe do departamento de capitais estrangeiros e câmbio do BC, disse que pode até haver discordância sobre a taxa, mas negou que ela seja pouco transparente: "É uma norma pública que faz parte do regulamento de mercado de câmbio e de mercados internacionais", disse Marques. Ele acrescentou que se o vencimento do pagamento da importação ocorreu na vigência da Lei 9.817 vale a multa diária e não há limite para a punição. Mas a partir da vigência da Lei 10.755/03 a multa foi limitada a 100% do valor da importação. Marques afirmou que uma resolução posterior do BC definiu a multa em 0,5% do valor. O critério para aplicação da multa, aliado à demora do BC para abrir os processos - por lei a instituição tem cinco anos para formalizar os processo punitivos e mais três para analisar as defesas e proferir as sentenças -, resultou em multas muito superiores aos valores da importação. Uma importação irregular de US$ 100 gerou multas de US$ 600 ou US$ 1 mil, por exemplo. Elaine de Paula Palmer, advogada do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão, citou o caso de um cliente com uma "pendência" em que a multa, em valores de 2004, representava quase 20 vezes o valor da importação em 1997. "Estabelecer penalidades é normal, mas o problema nas importações é que a multa é desproporcional e pode gerar situações de insolvência das empresas", afirma Elaine. Ela avalia que boa parte dos processos se prendem a questões de procedimentos. Uma fonte da área de comércio exterior lembrou que muitas multas foram aplicadas em situações não previstas em lei, como mercadorias recebidas fora de especificação, produtos proibidos de entrarem no país por autoridades sanitárias ou até simples erros ou enganos no preenchimento de formulários. Segundo a fonte, muitas vezes o importador, que é intimado pelo BC, não consegue resolver pendências cambiais na DI junto a outros órgãos do governo, como Receita, Decex e Secex. Quando multado, o importador tem duas opções: pagar ou recorrer ao Conselhinho, que se reúne hoje e amanhã, no plenário do BC, em Brasília. Na sessão, estarão em pauta casos de multas de importação nos quais o BC deu pareceres favoráveis às empresas. Mesmo assim, o BC é obrigado a submeter o tema ao Conselho, que tem poder para reformular a decisão. Até agora, porém, sempre que julgou esses casos o Conselhinho manteve a decisão do BC. O presidente em exercício do Conselho, Valdecyr Gomes, disse que até o momento a entidade não analisou nenhuma decisão contrária aos importadores sobre a questão de multas de importação. "Ainda não há entendimento do Conselho sobre a matéria", afirmou. Nos casos em que o BC confirma a multa em primeira instância, o importador pode entrar com um recurso voluntário no Conselho. Se este confirmar a decisão do BC, pela aplicação da multa, a empresa tem de pagar ou optar pelo caminho da Justiça comum, com o risco de ter o débito inscrito na dívida ativa da União. Especialistas em comércio exterior entendem que são grandes as chances de as empresas intimadas entrarem com recursos no Conselho. O BC concorda: "É possível que isso ocorra porque quando se trata de dinheiro as empresas recorrem até a última instância", avalia o chefe do departamento de capitais estrangeiros e câmbio do BC. A advogada Elaine Palmer, por exemplo, está preparando a defesa de um cliente que apresentará recurso voluntário no Conselhinho depois da condenação em primeira instância pelo BC.