Título: Munição de Lula usada pela oposição
Autor: Vaz, Lúcio
Fonte: Correio Braziliense, 06/04/2010, Política, p. 6

RECURSOS PÚBLICOS

O PT fiscalizava a gestão de FHC por meio de um sistema que hoje é utilizado por DEM e PSDB para encorpar críticas ao atual governo

A guerrilha eletrônica desenvolvida pelo PT e por outros partidos de esquerda durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PMDB) acabou sendo um calo no pé da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva. A fórmula de investigar os gastos do governo a partir do Siafi ¿ sistema informatizado que registra a execução orçamentária (veja para saber mais) ¿ foi assimilada pelos atuais partidos de oposição (DEM e PSDB) e aprimorada pela organização não governamental (ONG) Contas Abertas, de caráter independente. Tucanos e democratas são atualmente os maiores fiscais do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Nos balanços do PAC, o governo anuncia os números que mais lhe favorecem, dando destaque para grandes projetos que recebem volumosos recursos. Os ¿siafeiros¿ (como são chamados os assessores que operam o Siafi) mostram que nem tudo corre bem no programa. No último balanço, por exemplo, o Contas Abertas mostrou que apenas 11% dos empreendimentos foram concluídos após três anos de programa (veja quadro). A equipe do DEM revelou que menos da metade dos recursos (40%) foram aplicados até agora.

O embrião do Contas Abertas teve início em 1992, ainda de forma precária. O economista Gil Castelo Branco e o ¿siafeiro¿ Carlos Blemer foram convidados para trabalhar no gabinete do deputado Augusto Carvalho (PPS-DF). Naquela época, ¿qualquer bobagem virava notícia¿, lembra Gil. A compra de goiabada cascão com dinheiro do Fundo Social de Emergência, por exemplo, virava manchete nos jornais. A dupla passou pelos gabinetes de Agnelo Queiroz (PCdoB-DF) e de outros deputados, até que surgiu a ONG, em dezembro de 2005. Hoje, o Contas Abertas se mantém com serviços prestados ao site Uol, ao Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e à Confederação Nacional da Indústria (CNI), além de cursos para jornalistas custeados pela Fundação Open Society.

A atuação da organização se destacou a partir do minucioso trabalho de fiscalização do PAC. A análise da cartilha O PAC nos estados, publicada pela Casa Civil da Presidência da República, ganhou espaço nos jornais regionais. Os levantamentos globais passaram a ser notícia na grande mídia. Na última semana, a ONG foi citada no The Wall Street Journal e o segundo secretário para Assuntos Econômicos da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, John Barrett, solicitou ao Contas Abertas um levantando completo dos três anos do programa governamental.

Para saber mais Controle virtual

O Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) é uma plataforma informatizada que registra os pagamentos feitos pela União, incluindo gastos do Executivo, do Judiciário e do Legislativo. Os empenhos são reservas de recursos feitas no Orçamento da União, mas não garantem que o dinheiro será utilizado. As ordens bancárias são os registros de pagamentos feitos em contas de estados, de municípios e de entidades privadas.

Os empenhos são importantes porque detalham obras, equipamentos ou serviços contratados. Gestores e técnicos do Executivo têm senha para lançar despesas. Parlamentares interessados recebem uma senha para acessar as informações, que mais tarde são divulgadas ao público.

O Portal da Transparência, do governo federal, e o site Siga Brasil, do Congresso, disponibilizam ao público os dados do Siafi. O Siafi Gerencial, criado em 1995, permite o acesso a dados consolidados, com total de gastos e percentuais de execução de cada tipo de despesa. (LV)

Pagos para fiscalizar

A liderança do DEM no Senado percebeu, em 2003, que precisava ter uma equipe para analisar os gastos do governo Lula. O trabalho foi realizado com a liderança do partido na Câmara. Coube ao economista Clóvis Sacaui, funcionário cedido do Ministério da Integração Nacional, formar o grupo de trabalho. Num curso sobre banco de dados, ele arregimentou a recém-formada em processamento de dados Marilei Sacardi. Ela foi contratada com um salário baixo para um cargo de confiança. Hoje, o salário dobrou, e a equipe já tem cinco técnicas em informática especializadas no Siafi. Sacaui e outros cinco técnicos fazem a análise dos dados.

As informações são repassadas a parlamentares, que fazem a divulgação no plenário das duas Casas, e a jornalistas que trabalham com fiscalização do governo. Os técnicos sempre recomendam que o jornalista entreviste algum dos líderes do partido, o que tem afastado alguns profissionais. O recente escândalo do mensalão do DEM no Distrito Federal também reduziu um pouco a demanda de pedidos ao partido.

O trabalho do DEM ganhou amplitude maior durante a gestão de Ronaldo Caiado (GO) à frente da sigla, quando tiveram início as Caravanas de Fiscalização do PAC. Na companhia de deputados, o líder da bancada passou a visitar as principais obras nos estados, mostrando que o estágio dos empreendimentos nem sempre era o anunciado pelo governo.

Uma equipe da liderança do PSDB atua junta há pelo menos 12 anos. Foi formada durante o governo Fernando Henrique Cardoso, não para fiscalizar o governo, mas para assessorar a bancada do partido na Comissão Mista de Orçamento. Eram três assessores inicialmente. Com a chegada do governo Lula, foram agregados dois técnicos especialistas no Siafi. O partido faz a análise de 540 programas de governo simultaneamente, avaliando resultados, execução financeira e repasses de recursos a ONGs.

O atendimento preferencial da equipe é dirigido aos parlamentares, mas também são atendidos pedidos de jornalistas, desde que encaminhados pela liderança do partido. (LV)