Título: Faz diferença 0,25% a mais na taxa básica de juros?
Autor: Gino Olivares
Fonte: Valor Econômico, 24/05/2005, EU &, p. D2

Na quarta-feira passada o Comitê de Política Monetária (Copom) aumentou a taxa básica de juros (Selic) em 25 pontos-base, para 19,75% ao ano. O mercado estava dividido em dois grupos: os que apostavam na manutenção e os que apostavam na elevação de 25 pontos base. A rigor, a linha que separava as argumentações entre os dois grupos era muito tênue. A única divergência entre as posições era a avaliação do papel da inflação corrente nas decisões de política monetária. Os defensores da manutenção argumentavam que já haveria indicações de que a inflação estaria caminhando na direção desejada mais à frente e que qualquer elevação adicional representaria um erro pois simplesmente seria uma reação à inflação corrente. Aqueles que consideravam necessária a elevação dos juros, no entanto, argumentavam que, mesmo com perspectivas mais favoráveis para os próximos meses, a inflação corrente deveria ser levada em consideração sim. Duas questões surgem. Primeira, será que a autoridade monetária fez a coisa certa? Segunda, será que 0,25% a mais na Selic faz diferença mesmo? Para responder à primeira pergunta é útil lançar mão de uma analogia. Considere a seguinte situação: um motorista dirige o seu carro por uma estrada quando subitamente passa a enfrentar um nevoeiro. Suponha que ele sabe que a condição da estrada é razoável, que o nevoeiro passará em alguns minutos e até mesmo que a condição da estrada deve melhorar mais adiante. Qual deveria ser, então, a atitude do motorista? Ele deveria simplesmente esquecer o nevoeiro e continuar na mesma velocidade, pois afinal a estrada está em boas condições e o nevoeiro é passageiro; ou ele deveria reduzir a velocidade por causa do nevoeiro, mesmo sabendo que ele é temporário e que as condições da estrada só melhoram daí em diante? Acredito que todos iríamos concordar que a prudência seria a melhor atitude a tomar pelo nosso amigo motorista. Se considerarmos o Banco Central como sendo o motorista da economia e a evolução da inflação corrente como o nevoeiro, talvez possamos entender melhor qual é a racionalidade por trás da decisão do Copom. Devido à existência de defasagens entre as decisões da autoridade monetária e os seus efeitos sobre a inflação, a teoria econômica sugere que a política monetária num regime de metas para a inflação seja pautada pela análise das perspectivas da inflação futura. No entanto, essa prescrição não significa que o Banco Central tome as suas decisões ignorando a evolução da inflação corrente. Há pelo menos dois bons motivos pelos quais a situação atual da inflação deve ser levada em consideração. O primeiro é porque os agentes econômicos formam as suas expectativas de inflação baseados, pelo menos parcialmente, na sua leitura da inflação corrente. O segundo é porque a inflação corrente funciona como o nevoeiro da nossa analogia, dificultando a visualização da trajetória futura da inflação. É fato que existem diversos fatores: taxa de câmbio, petróleo, commodities, que nos permitem ser otimistas em relação à evolução da inflação nos próximos meses, mas é fato também que a inflação corrente tem surpreendido pela sua resistência à queda. Por isso, considero correta a decisão do Copom. Resta agora responder à segunda pergunta: Será que 0,25% a mais na Selic faz diferença? Tecnicamente, falando em termos de mudanças nas projeções de inflação, não. O melhor modelo de projeção da inflação brasileira não seria bom o suficiente para identificar diferenças significativas entre uma taxa básica de juros de 19,50% e uma de 19,75%. Porém, não parece que essa seja a métrica correta para avaliar a conveniência da elevação. Esse 0,25% a mais faz diferença sim, mas pelo seu efeito sinalizador. Se a elevação sinaliza o reconhecimento que o nível anterior não era considerado suficiente, a magnitude da elevação sinaliza que o Copom está ciente tanto de que a Selic se encontra muito próxima do nível que deverá "resolver" o problema quanto dos custos associados a uma eventual ultrapassagem desse nível "ótimo". Nesse sentido, foi uma decisão mais de arte do que de ciência. É óbvio que o Banco Central não precisa elevar a taxa de juros até ter a certeza absoluta de que a inflação convergirá para a trajetória desejada. Mas é óbvio também que para finalizar o ciclo de aperto monetário a autoridade deve ter um grau razoável de certeza de que a inflação reagirá conforme desejado. O ruído introduzido pela resistência à queda da inflação corrente tornou mais difícil atingir esse grau de certeza requerido, pelo menos por enquanto.