Título: Troca de aprendizados
Autor: Silvia Torikachivili
Fonte: Valor Econômico, 24/05/2005, EMPRESA & COMUNIDADE, p. F1

Eles são jovens urbanos, mas tudo o que conheciam de São Paulo não ultrapassa as dez quadras do entorno onde vivem. Para ampliar esses horizontes e motivar os jovens a reconhecer as questões da comunidade, apresentar soluções e produzir projetos, a Fundação Itaú Social encampou o Jovens Urbanos, programa de inclusão social do Cenpec. Para tocar o projeto, oito voluntários do Itaú elegeram duas periferias paulistanas: Campo Limpo, na zona Sul, e Vila Brasilândia, na zona Norte, onde as comunidades são desassistidas, a taxa de desemprego é maior que a média, a mortalidade juvenil engorda estatísticas e o risco social é preocupante. O objetivo, diz Beatriz Nóbrega, gerente de consultoria de RH do Banco Itaú, uma das voluntárias do Jovens Urbanos, é reunir os jovens em equipes e motivar todos eles a criar soluções para melhorar a qualidade de vida da comunidade. O primeiro passo foi mapear o bairro e levantar os problemas da região. Essa investigação produziu resultados animadores. "Eles identificaram os ambientes culturais do bairro, passaram a se familiarizar com a arquitetura da região, a entrar em contato com o departamento de investigação cartográfica", diz Beatriz.

Na favela de Vila Brasilândia, a comunidade elegeu a canalização do esgoto como prioridade. "Depois de fazer o projeto, as equipes acertaram os detalhes com a Prefeitura, correram atrás de material e fecharam parcerias para começar o trabalho", conta Beatriz. Em Campo Limpo, a votação maior foi para o monitoramento da qualidade da água. "As equipes visitaram as casas e mediram o Ph diretamente nas caixas de água. Cada tarefa é feita com a rigorosa supervisão de técnicos e educadores que deram todo o suporte", diz ainda Beatriz. Nessa empreitada, Beatriz acredita que todos os participantes do projeto saíram ganhando. Os jovens aprenderam a se conhecer e a trabalhar em equipe. Os voluntários aprenderam a operar com recursos escassos e ampliaram o círculo interno de amizades: "Construímos metodologias, trocamos aprendizados, ampliamos nossa rede." Quanto ao Itaú, Beatriz acredita que ganhou funcionários com novas competências. "São pessoas multifacetadas, que aprenderam a fazer mais com menos." Resgatar jovens de comunidades desassitidas foi também o ponto de partida do projeto social da Helipark, centro de serviços e manutenção de helicópteros, que funciona no município de Carapicuíba, em São Paulo. Com cerca de 500 mil habitantes, Carapicuíba conta com 50% de suas crianças e jovens à deriva pelas ruas; outros 25% estudam e estão e envolvidos com projetos sociais; os outros 25% estão perdidos para as drogas, segundo levantamento feito junto à Prefeitura por Regina Velloso, diretora executiva da Helipark. "Quando nos estabelecemos na cidade, em 2002, decidi que não ia fechar os olhos para essa comunidade", lembra Regina. A parceria com o organização social Olhar Cidadão levou a Helipark a formatar um projeto com base na Escola da Família, programa adotado pelo governo de São Paulo, que estimula a abertura das escolas públicas nos finais de semana. Das 84 escolas de Carapicuíba, Regina escolheu as sete do entorno da Helipark, acionou o Olhar Cidadão e capacitou 13 voluntários entre seus 110 funcionários. A programação é variada, mas Regina diz que as sessões de cinema dos finais de semana fazem grande sucesso. São cerca de 260 adultos e crianças que comparecem. "Mas também fazem sucesso as aulas de bordado, os jogos de pingue-pongue e outras atividades culturais", relata. Chamar a atenção para a responsabilidade social rende recompensa no Santander Banespa. Já na quinta edição, o Prêmio Voluntário destaca as ações de funcionários na comunidade. Em 2005 o banco vai premiar os voluntários que expuserem ações ligadas às oito metas do milênio. Para estimular a participação, a instituição estabeleceu um curso via intranet que os funcionários podem acessar a qualquer momento. "São orientações com começo, meio e fim que fundamentam ações socialmente responsáveis", explica Vanda Pita, superintendente de responsabilidade social do Santander. Embora o netcurso não seja obrigatório, Vanda acredita que os funcionários todos estão interessados. Afinal, dos 20 mil colaboradores, pelo menos, 40%, segundo Vanda, fazem suas ações sociais individualmente. A expectativa da instituição é aumentar o envolvimento e o comprometimento de todos. "Queremos melhorar o cidadão", diz Vanda. "Assim, o relacionamento com colegas, funcionários e chefes vai ficar ainda melhor." Envolver funcionários em ações sociais que têm tudo a ver com a atividade da empresa foi uma escolha da Clínica Eye Care de Oftalmologia. Desde o final de 2001, a Fundação Eye Care comanda basicamente dois programas: Meus Olhinhos, que testa a acuidade visual de crianças e adolescentes entre 3 e 18 anos, e Vi o Vovô Ver, para adultos. A parceria da empresa é com a CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano), que administra as demandas. Em menos de quatro anos de atividades, a Eye Care já fez 26 mil atendimentos e executou cerca de mil cirurgias, a maioria de catarata. Para acionar a operação, a Eye Care conta com cerca de 20 oftalmologistas voluntários, seis técnicos e outros funcionários que garantem a alimentação nos dias de mutirão. Cerca de 400 crianças são atendidas a cada dois meses. "Entre 20% e 25% daquelas que estão em idade escolar têm baixa acuidade visual", conta Katia Hale, gerente de projetos da Eye Care. "Muitas vezes essa pode ser a causa da evasão escolar." Em dia de atendimento, as crianças que têm indicação já saem com os óculos. Para isso, a Eye Care conta com parcerias como a Fotoptica, que garante a armação e as lentes, o Senac, que faz o reteste de acuidade, e Brasil Telecom. Os adultos são atendidos a cada seis meses pelo programa. "São mais de três mil idosos na fila precisando de cirurgia de catarata", calcula Kátia. Cada uma dessas intervenções custa R$ 3 mil para a Eye Care, sem contabilizar os custos do trabalho voluntário. Trabalho voluntário não é remunerado, mas também não deve ser hobby, alerta o presidente do Instituto C&A, Paulo Castro. "Requer compreensão do contexto social, motivação do funcionário e investimento da empresa". Na C&A, segundo Castro, dos 13 mil funcionários distribuídos pelas 103 lojas 17% fazem trabalho voluntário. Para a C&A, o efeito desse trabalho transparece no dia-a-dia. "A atividade voluntária cria condições para o desenvolvimento de novas lideranças", diz Castro. "As pessoas se expõem a novas situações, ganham mais liberdade para fazer do jeito delas e a empresa ganha o efeito colateral disso." Um dos alvos dos investimentos sociais da C&A é o Gotas de Flor com Amor, organização social que mantém cinco unidades onde assiste cerca de 450 crianças e adolescentes de cortiços e favelas de São Paulo. O grande patrimônio do Gotas, segundo a vice-presidente Denise Robles, é o trabalho junto às empresas com programas de voluntariado corporativo. Denise diz que há um segredo para garantir a motivação de um funcionário que utiliza suas horas de folga para fazer um trabalho não remunerado. "Voluntário tem de ter uma contrapartida", diz. "O resultado de sua ação precisa ser acompanhado e é necessário que se abra espaço para que ele relate o que faz, ouça críticas, sugira novas idéias e sensibilize diferentes hierarquias." Na Vale do Rio Doce, o voluntariado empresarial utiliza programas de gestão como o CCQ (Círculo de Controle de Qualidade) para aplicar nas questões sociais. "A mobilização dos funcionários já existia e a Vale decidiu organizar a ação deles, desenvolver as competências e disseminar essa cultura", diz Olinta Cardoso, superintendente da Fundação Vale do Rio Doce. Dos 31.650 funcionários da empresa, Olinta calcula que 10% estejam engajados em ações voluntárias - pontuais, como mobilização em calamidades públicas, ou em identificação de problemas nas comunidades onde a Vale atua. Uma dessas localidades é São Luís, no Maranhão, onde 32 grupos de voluntários trabalham em projetos de melhoria da qualidade de vida das comunidades. "Cada grupo conta com sete voluntários da Vale, que passam por avaliações anuais e estão preparados para localizar problemas e apresentar soluções", diz Ronald Neri, operador de equipamentos e instalações, além de coordenador do Comitê de Voluntariado da Vale em São Luís. Tal como o grupo maranhense, a Vale conta com outros 100 atuando em ações voluntárias. "É uma troca de experiências que resulta em aprendizado conjunto", diz Olinta.