Título: Despesa em dobro na Câmara
Autor: Vaz, Lúcio
Fonte: Correio Braziliense, 06/04/2010, Política, p. 7

congresso

Deputados que voltam ao cargo recebem ajuda de custo para transporte. Até quem já morava em Brasília terá o ¿14º salário¿

A volta de 15 deputados que ocupavam cargos de ministros, secretários estaduais ou municipais provocou uma despesa em dobro para a Câmara. Cada um deles tem direito a uma ¿ajuda de custo¿ para cobrir despesas com transporte, no valor de R$ 16,5 mil, exatamente o valor do salário parlamentar ¿ mesmo os que já moravam em Brasília. Ocorre que os 15 suplentes que deixam o cargo (veja quadro) já haviam recebido esse mesmo benefício há um mês e meio, no valor total de R$ 247,5 mil, com a mesma justificativa de ¿compensação de despesas imprescindíveis ao comparecimento à sessão legislativa¿.

O curioso é que os parlamentares que reassumem o mandato já passam a contar com uma verba extra para despesas com passagens aéreas de ida e de volta (quatro por mês) para seus estados de origem. O ato da Mesa Diretora que regulamenta a ¿ajuda de custo¿ não especifica o que seriam as demais ¿despesas imprescindíveis¿. O dinheiro só pode ser usado em gastos com transporte, mudança, hospedagem e alimentação, por exemplo. Não pode cobrir despesas dos familiares.

Essa indenização é paga a todos os deputados em 10 de fevereiro de cada ano. Na prática, corresponde a um 14º salário. Quem assume o mandato depois dessa data também recebe a quantia. Assim, uma mesma vaga na Câmara pode render duas ou três dessas ¿ajudas¿. No fim do ano, os parlamentares têm direito a mais um benefício financeiro, conhecido como 15º salário. Para receber, precisa ter cumprido pelo menos dois terços do ano legislativo. Quem paga tudo é o contribuinte.

Retornos

Entre os deputados que retornam à Câmara por causa do prazo de desincompatibilização, os mais ilustres são os ex-ministros Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), da Integração Nacional; Reinholds Stephanes (PMDB-PR), da Agricultura; José Pimentel (PT-CE), da Previdência; e Edson Santos (PT-RJ), da Promoção da Igualdade Racial. Há também ex-secretários estaduais, como Osmar Terra (PMDB-RS), Jorge Bittar (PT-RJ) e João Leão (PP-BA).

O ex-secretário de Saúde do Rio Grande do Sul Osmar Terra retornou duas outras vezes ao mandato antes da volta definitiva. Em fevereiro do ano passado, ele assumiu a vaga por quatro dias para participar da eleição para a Mesa Diretora. Em novembro, desalojou novamente o suplente, Osvaldo Biolchi (PMDB-RS), para apresentar as suas emendas ao Orçamento da União. ¿Há uma cobrança muito grande das bases¿, justificou o deputado, que já havia programado a volta ao mandato neste ano. Ele disse que não tinha conhecimento do pagamento da ¿ajuda de custo¿. ¿Para mim é novidade¿, comentou.

Memória Diarista com salário integral

A farra da ¿ajuda de custo¿ já foi maior na Câmara. Até o ano passado, apenas um dia no mandato já garantia o pagamento de um salário extra. Em fevereiro de 2009, o Correio revelou que seis deputados retornaram ao mandato por um, dois ou três dias, apenas para participar da eleição para a Presidência da Casa. Todos eles tinham direito a uma indenização de R$ 16,5 mil. Flagrados pela reportagem, eles juraram que não sabiam da mordomia e prometeram devolver ou doar a bolada.

O escândalo foi tão grande que o presidente da Casa, Michel Temer (PMDB-SP), decidiu acabar com a regalia. Determinou que, a partir daquela data, para receber a ajuda integral, os deputados teriam que permanecer pelo menos por um mês no mandato. Quem ficasse na Câmara por um dia, por exemplo, receberia 1/30 avos da ¿ajuda de custo¿. Mas não adianta o deputado reassumir várias vezes o mandato no ano. Ele só recebe a indenização na primeira vez de cada ano legislativo. Em 2008, quando a farra não tinha limites, 48 suplentes que assumiram o mandato receberam um total de R$ 792 mil em ¿ajudas de custo¿.

No ano passado, o deputado Alberto Fraga (DEM-DF) deixou a Secretaria de Transportes do Distrito Federal para voltar à Câmara por apenas um dia. ¿Volto amanhã para a secretaria. Só vim votar (para eleger o presidente da Câmara)¿, comentou. Questionado sobre o salário extra que receberia, ficou furioso. Disse que isso não seria verdade: ¿Se for, é uma indecência. Vou devolver¿. Acabou ficando sem o dinheiro.

Robson Rodovalho (DEM-DF) também deixou a Secretaria do Trabalho do DF para votar e disse ter ficado surpreso com a informação sobre a ajuda de custo: ¿Eu não sabia. Que coisa doida! Se for verdade, é preciso mudar. Não acho justo¿, comentou na época. (LV)