Título: No interior paulista óleo de fritura ganha status de biodiesel
Autor: Silvia Czapski
Fonte: Valor Econômico, 24/05/2005, EMPRESA & COMUNIDADE, p. F3

Após fritar um bife em sua casa, os restos de óleo vão direto da frigideira para o ralo. Certo? Errado! Segundo especialistas, quando o óleo segue para a rede de esgoto, encarece o tratamento dos resíduos em até 45%. Se chega aos rios, além de contaminar a água, impermeabiliza seus leitos, favorecendo enchentes. São argumentos como estes que mobilizam a população para encaminhar o óleo de fritura para a reciclagem. Além de servir à produção de sabão, massa de vidro, rações animais, o óleo usado chegou ao século 21 com status de base para o biodiesel. Dedicado à pesquisa para a produção de biodiesel com óleos brutos e refinados, o Laboratório de Desenvolvimento de Tecnologias Limpas do Departamento de Química da USP de Ribeirão Preto (Ladetel) foi procurado em 2001 pelo McDonalds, que queria doar o óleo de fritura gerado em suas lojas naquela região. "Na natureza ele é um incômodo ambiental. Foi o que nos moveu", recorda o professor Miguel Dabdoub, coordenador do Ladetel e presidente da Câmara Setorial de Bio-combustíveis do Estado de São Paulo. Segundo Dabdoub, Ribeirão Preto costuma receber centenas de crianças da área rural para tratamentos médicos complexos. Muitas vezes, os familiares não têm como ficar junto. Para ajudar, decidiu-se direcionar parte da venda deste biodiesel a dois grupos de apoio: um voltado às crianças transplantadas de medula óssea (Gatmo) e outro, às crianças com câncer (Gaac). Em 2004, foi a vez do Carrefour, que ofereceu o óleo residual de 36 lojas no Estado de São Paulo. "Os caminhões que entregam mercadorias retornam das lojas para o centro de distribuição da empresa, em Osasco (SP) com o óleo residual. E nós coletamos neste único ponto", detalha Dabdoub. Mesmo sem doar o óleo das cozinhas industriais que fornecem as refeições dos funcionários, o resultado superou a expectativa: mais 7 mil litros mensais. Segundo Dabdoub, parte do biodiesel já é retribuído ao Carrefour. As lojas de Pinheiros, na capital, e de Osasco, recebem biocombustível para abastecer os geradores de energia elétrica, ligados nos horários de pico. Na rota da expansão, o programa tornou-se parceiro dos restaurantes de diferentes campi das universidades de São Paulo (USP) e Estadual Paulista (Unesp). Só o da USP de São Paulo chega a fornecer 2 mil litros semanais. O próximo passo, diz Dabdoub, é atender estabelecimentos comerciais de Ribeirão Preto, que forneceriam até 20 mil litros mensais, através do projeto Cata Óleo. Uma das dificuldades é quantificar o potencial de óleo doméstico disponível para a reciclagem, diz Dabdoub. A Organização das Nações Unidas propõe um descarte de 800 ml mês/família. Mas a expectativa da Ladetel é que no Brasil se gere no máximo a metade deste volume. Também difícil é calcular o custo da reciclagem: o processamento na Ladetel custa entre R$ 0,15 a 0,18 por litro, sem computar a logística da coleta, o custo do óleo e a mão de obra especializada da USP. Para Dabdoub, a reutilização do óleo pela população é uma questão de saúde pública. "A cada reuso, o índice de acidez aumenta. É um perigo". Para o professor, o problema decorre da falta de conhecimento. "Vi estabelecimentos onde, quando não dá mais para reusar o óleo, ele é incorporado à massa de salgadinhos". Através do Cata Óleo, explica, a Ladetel quer estimular a mudança de hábito. "A contrapartida para a doação do óleo residual dos restaurantes e bares do município será uma análise química. Se ele estiver num padrão aceitável de acidez e próprio para o consumo humano, o estabelecimento ganhará um selo de qualidade. Isso incentivará a melhoria no uso do óleo." O laboratório também começa a estender o Cata Óleo para escolas e instituições sociais. Um dos primeiros parceiros é o Núcleo de Educação Sócio-Ambiental Prof. Leandro Eduardo de Souza, que iniciou as coleta e ações educativas em escolas em Pontal (SP). "Vislumbramos projetos pelos quais a cada dez bombonas (10 mil litros), doaríamos um computador para a instituição." Outra iniciativa, envolve a Granol - fabricante de óleo vegetal com cinco unidades industriais -, e redes de supermercado de médio porte do interior paulista. No início do mês, a rede Supermercados Bom D+, com lojas em seis municípios no oeste do Estado, encerrou uma campanha de seis meses, por meio da qual os consumidores trocavam 2 garrafas pet cheias de óleo de cozinha usado (4 litros) por uma lata de 900 ml do óleo de soja Tupã. Ainda sem os números consolidados, o diretor de marketing da rede, Fábio Oranges, indica que a coleta superou os 20 mil litros no período. Foi um projeto ganha-ganha, diz ele. Além de economizar, o consumidor deixou de poluir a natureza. A rede deu sua contribuição ambiental e atraiu consumidores. Já a Granol, que também realiza a mesma campanha em outras duas redes paulistas, ganhou em imagem e na fidelização de clientes para sua marca de óleo Tupã.