Título: Município, Estado e União conseguem recuperar só 1% do total da dívida ativa
Autor: Marta Watanabe
Fonte: Valor Econômico, 27/05/2005, Brasil, p. A2

Dos R$ 345,96 bilhões registrados na conta da dívida ativa total do município de São Paulo, Estado de São Paulo e União, as três administrações conseguiram arrecadar em 2004 R$ 3,03 bilhões, menos de 1% do total. Mesmo em um ano em que a União e o Estado de São Paulo comemoram desempenho maior que o esperado na recuperação da dívida ativa. Formada prioritariamente por créditos tributários, teoricamente a dívida ativa representa valores líquidos e certos a serem recebidos pela administração pública, à semelhança de um crédito de longo prazo. A União, a prefeitura e o governo estadual, porém, reconhecem que boa parte da dívida ativa não é realizável na prática. O reconhecimento vem dos próprios procuradores, responsáveis na administração pública por cobrar e transformar a dívida ativa em arrecadação efetiva. O procurador fiscal do Estado de São Paulo, Clayton Eduardo Prado, diz que a estimativa é que somente R$ 35 bilhões dos R$ 68 bilhões da dívida ativa que constam no balanço patrimonial do Estado de São Paulo são efetivamente cobráveis, com chances de recuperação. Na União o cenário não é muito diferente. O coordenador-geral da dívida ativa, procurador Gustavo Caldas, diz que nem metade dos R$ 261,96 bilhões que a União tem nessa conta são recuperáveis. A prefeitura também diz que há um percentual de créditos entre a sua dívida ativa que não são bons, mas não estima quanto. O economista Amir Khair, ex-secretário de Finanças do município de São Paulo, explica que a dívida ativa é, teoricamente, um crédito "líquido e certo". "Na prática, porém, trata-se de crédito líquido e extremamente incerto." Para o professor, uma reavaliação da dívida ativa em níveis considerados reais pelos procuradores pode afetar os balanços patrimoniais de forma significativa. "Muitos Estados e municípios estariam falidos, simplesmente", diz o professor Francisco Vignoli, da GV Consult. O Estado de São Paulo é um bom exemplo. Khair explica que se houve uma redução de R$ 68 bilhões para R$ 35 bilhões na dívida ativa, a diferença de R$ 33 bilhões teria de ser compensada pelo patrimônio líquido do Estado, hoje de R$ 3,8 bilhões. A conclusão é de que o Estado não teria patrimônio líquido suficiente para cobrir a diferença da dívida ativa. A Secretaria da Fazenda de São Paulo diz que essa é uma realidade no balanço atual. O órgão ressalta, porém, que se houvesse revisão nas contas do balanço patrimonial, o ideal seria corrigir o valor da dívida ativa, como também do ativo imobilizado. Isso propiciaria um possível aumento do patrimônio líquido atual e as contas poderiam "empatar". A discussão sobre dívida ativa foi recentemente suscitada pela Prefeitura de São Paulo. O secretário de Finanças do município, Mauro Ricardo Costa, declara reiteradamente que uma correção de R$ 11 bilhões na dívida ativa do município, que foi foi reduzida de R$ 27 bilhões para R$ 16 bilhões, traria um passivo a descoberto de R$ 5 bilhões no balanço do município. Os R$ 27 bilhões anteriores haviam sido contabilizados durante a gestão de Marta Suplicy. Procurado, o secretário de Finanças disse que a atribuição para discutir a dívida ativa é da Secretaria de Negócios Jurídicos. O professor Francisco Vignoli lembra que uma passivo a descoberto ou um patrimônio líquido negativo não trazem repercussão prática nenhuma ao setor público. Esse números não afetam o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), dispositivo que estabelece metas que, não alcançadas, podem gerar punições como a falta de acesso a crédito. "A distorção da conta de dívida ativa é algo que afeta as contas de praticamente todo o setor público", diz ele. Os motivos da distorção são vários. O mais comum é a existência, entre os devedores, de empresas que fecharam as portas e sócios que não são mais encontrados. O coordenador da dívida ativa da União, Gustavo Caldas, conta que, no ano passado, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional comemorou os R$ 242,56 milhões de arrecadação sobre a dívida. Houve crescimento de 16,4% em relação ao ano anterior, quando a média de crescimento da arrecadação é de 10% ao ano. Mesmo assim a recuperação da Procuradoria em 2004 não chegou a 1% do total da dívida ativa. "Muitas empresas já faliram e boa parte das que estão em atividade não possuem bens para garantir a dívida ou que podem ir a leilão." No Estado de São Paulo, houve uma arrecadação de R$ 408 milhões da dívida ativa, número igualmente comemorado por representar um crescimento de 26% em relação à recuperação de 2003. O chefe da Procuradoria Fiscal do Estado de São Paulo, Clayton Eduardo Prado, diz que dos aproximadamente R$ 70 bilhões em dívida ativa do Estado - eram R$ 68 bilhões em 31 de dezembro de 2004 -, R$ 25 bilhões se relacionam a inadimplência. Ou seja, casos em que a empresa declarou o imposto, mas não pagou. "Desse total, estima-se que metade é recuperável." Os outros R$ 45 bilhões são dívida ativa originada de autuação fiscal. "Esses são créditos que oferecem maior dificuldade. Muitas dessas empresas se tornaram inativas. Dentre esses valores, nem 50% pode ser considerada recuperável." Nas contas do procurador, na melhor das hipóteses, o Estado conseguiria recuperar R$ 35 bilhões do estoque total. A dívida ativa do Estado de São Paulo tem algumas distorções particulares. Prado lembra que quando o Estado passou a adotar a declaração dos valores do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em Unidades Fiscais do Estado de São Paulo (Ufesps), muitos contribuintes desavisados continuaram por um bom tempo declarando os valores na moeda vigente, o que causou grandes distorções. A dívida ativa chegou a ter entre os maiores devedores uma microempresa que nem sequer seria capaz de gerar uma grande dívida. Embora alguns casos tenham sido detectados, diz Prado, a dívida ativa ainda possui essas inconsistências.