Título: Lula pede que Japão volte a investir forte no Brasil
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 27/05/2005, Brasil, p. A3

Num discurso franco e direto proferido ontem no parlamento japonês, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu que o Brasil volte a ser o destino preferencial dos investimentos do Japão. Diante de um congresso lotado, Lula manifestou o interesse do Brasil de se reaproximar política e economicamente do Japão, país que, nos anos 70, se tornou, depois dos Estados Unidos, o maior investidor direto na economia brasileira - hoje, ocupa apenas a 15 colocação. "Queremos voltar a ser o destino preferencial dos empreendimentos japoneses. Pretendemos que o Brasil volte a ser referência prioritária para os investimentos", disse o presidente brasileiro, que iniciou ontem visita de três dias ao Japão. O discurso foi prestigiado pelo primeiro-ministro japonês Junichiro Koizumi. Lula lembrou, no discurso, que o momento vivido pelas economias de Brasil e Japão favorece a reaproximação. Ele tocou, no entanto, num assunto delicado das relações comerciais entre os dois países. Historicamente, o Japão comprou majoritariamente do mercado brasileiro produtos básicos. O presidente deixou claro que quer mudar isso. "Nessa nova fase de nossa histórica associação, queremos que o Japão veja o Brasil não apenas como fornecedor de matérias-primas, mas como um produtor eficiente de produtos de valor agregado", discursou Lula. "Cada vez mais, o Brasil deseja ser um exportador de aviões, software e energia limpa." Lula lembrou o investimento japonês no cerrado brasileiro, nos anos 70 e 80, responsável pela transformação da região numa nova fronteira agrícola, para colocar na agenda das nações a venda de etanol ao mercado japonês. Pelos cálculos do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, se adicionasse 3% de etanol à sua gasolina, o Japão poderia comprar anualmente do Brasil 1,5 bilhão de litros do produto - hoje, o total exportado pelo país está em torno de dois bilhões de litros. "Hoje, desejamos reeditar essa experiência com outro projeto voltado para a exploração das ricas potencialidades da terra brasileira. O emprego do etanol como aditivo à gasolina permitirá ao Japão alcançar a redução de emissão de gases acordada no Protocolo de Kyoto e, ao mesmo tempo, diversificar sua matriz energética", afirmou Lula. Não faltaram no discurso do presidente temas políticos. Ao abordar o mais caro aos japoneses - a reivindicação por um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas -, Lula foi aplaudido pelos parlamentares japoneses. Foi o único momento em que isso aconteceu. "Queremos democratizar as Nações Unidas", disse ele. "Todos devem compreender que um Conselho de Segurança que não reflita as atuais realidades e não assegure representação adequada a países em desenvolvimento dentre seus membros permanentes, terá sua legitimidade contestada em detrimento do multilateralismo que queremos reforçar." Em outro tema delicado - a liberalização do comércio agrícola, rejeitada pelo Japão, que subsidia fortemente seus produtores rurais -, o presidente brasileiro pediu o apoio japonês para que a Rodada Doha, da Organização Mundial do Comércio (OMC), seja concluída. "Não queremos esperar décadas para ter outra chance de liberalizar o comércio mundial, incorporando plenamente a agricultura ao sistema multilateral de comércio e promovendo uma globalização mais eqüitativa." No fim do discurso, que durou 12 minutos, Lula pediu apoio também aos cerca de 270 mil brasileiros (os dekasseguis) que vivem no Japão. Um apoio, disse o presidente, que lhes permita ter a mesma oportunidade de integração à sociedade japonesa que "os imigrantes japoneses tiveram no Brasil". Depois de discursar no parlamento japonês, o presidente reuniu-se com o primeiro-ministro Koizumi. Lá, eles assinaram 11 documentos genéricos, entre os quais destacam-se a declaração conjunta sobre a reforma da ONU e o documento "Programa conjunto para a revitalização das relações econômicas entre Brasil e Japão". No âmbito desse programa, foi criado o grupo de trabalho sobre biomassa, para estudar a utilização do etanol e do biodiesel, com vistas a uma futura parceria. Num café da manhã com 18 empresários japoneses e 13 empresários brasileiros horas depois, Lula ouviu manifestações de dúvida sobre a participação de investidores estrangeiros nas parcerias público-privadas (PPPs). Os japoneses avisaram Lula que, para eles, é preciso garantir a estabilidade de longo prazo da economia. Longo prazo para o Japão, advertiu o presidente do Mizuho Corporate Bank, Hiroshi Saito, "são 30 e não cinco anos". "Eles disseram que o Brasil precisa definir melhor a entrada do capital estrangeiro nas PPPs e também o papel das agências reguladoras", disse o více-líder do governo na Câmara, deputado Beto Albuquerque (PSB-RS). Além de Saito, o presidente do Japan Bank for Internacional Cooperation (JBIC), Kyosuke Shinozawa, alertou para a necessidade de estabilidade nas regras do jogo. O JBIC é o banco oficial japonês que mais financia empresas brasileiras - sua exposição na Petrobrás é superior a US$ 5 bilhões e, na Vale do Rio Doce, chega a US$ 880 milhões. No início do café da manhã, Lula assegurou que o processo eleitoral não afetará a administração da política econômica.