Título: CPI faz Lula retomar reforma ministerial
Autor: Raymundo Costa e Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 27/05/2005, Política, p. A7

Na volta da Ásia, presidente tenta recompor base aliada

Na volta da Ásia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve bater o martelo sobre a reforma ministerial. A derrota do governo no Congresso, com a confirmação das assinaturas de 236 deputados e 52 senadores para a instalação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPI) dos Correios, fortalece essa decisão do presidente. Lula viajou convencido de que precisava efetuar as mudanças - sucessivamente anunciadas e adiadas desde as eleições do ano passado - para recompor a coalizão governista e retomar a iniciativa política no Congresso. Mas, na volta, fará nova reavaliação do quadro político, embora, durante a viagem, tenha telefonado diariamente a ministros e líderes partidários para se informar das negociações sobre a criação da CPI dos Correios. Na madrugada de ontem, em conversa com o ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, o presidente disse estar satisfeito com a sintonia dos ministros, que trabalharam exaustivamente e sem disputa política pela retirada de assinaturas dos aliados do requerimento da CPI - apesar de tanto empenho não ter surtido o efeito desejado. Esse seria um fato positivo no meio da crise política. Mesmo diante da derrota, Lula acredita que houve uma recomposição importante da base aliada. No entanto, a manutenção das assinaturas de 89 aliados na Câmara revela que a realidade é bem mais cruel do que o Palácio do Planalto tenta pintar e que a base não está coesa. No PMDB, 41 deputados assinaram a CPI. O PP engrossou a lista com 18 assinaturas. São exatamente os dois partidos mais interessados na reforma ministerial. O presidente reconheceu, de acordo com interlocutores, que seria muito difícil convencer os parlamentares a retirarem as assinaturas a 15 meses das eleições de 2006. Lula falou ainda por telefone com o ministro da Casa Civil, José Dirceu. A avaliação desses interlocutores do presidente é que a fita de vídeo em que é revelado um esquema de corrupção em licitações nos Correios provocou forte indignação na sociedade. Ao chegar ontem a Tóquio, vindo de Seul, Lula preferiu se isolar no hotel onde está hospedado e sair apenas para compromissos oficiais. Ele disse a jornalistas que só falará sobre a CPI após terminar a visita ao Japão. "Tentamos. Como não conseguimos, agora vamos tratar a CPI como um fato da normalidade democrática", afirmou o vice-líder do governo na Câmara, Beto Albuquerque (PSB-RS), que integra a comitiva presidencial. Os mais fiéis aliados de Lula, entre eles o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), consideram que esse "é o momento de definição política do governo". Para o senador, que também conversou por telefone com Lula, "não foi por falta de advertência" que o governo deparou com uma crise no Congresso. "Crise é risco e oportunidade", diz. A Lula, Mercadante disse que a bancada quer "sentar e discutir o governo", na sua volta. A expectativa do PT é que Lula faça uma reforma ampla, que poderia inclusive atingir os ministros Romero Jucá, da Previdência Social, e Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, ambos sob a investigação determinada pelo Supremo Tribunal Federal. O fato de a oposição ter conseguido inicialmente as assinaturas de 254 deputados e de 71 senadores, sendo mais da metade de partidos aliados, é que convenceu definitivamente Lula sobre a perda total do controle do governo sobre a articulação política no Congresso. Antes restrito ao núcleo de ministros do PT mais próximos do presidente, o coro dos defensores de uma ampla reforma ministerial foi engrossado por quatro governadores que jantaram com Lula, na Granja do Torto, na semana passada. Empresários que participaram de uma reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social também alertaram o presidente sobre a necessidade de o governo retomar a iniciativa na política - o agravamento da crise poderia contaminar a economia, segundo argumentaram. Escaldados pelas experiências anteriores, dirigentes petistas evitam fazer previsões. Admitem que Lula tem dúvidas sobre o que fazer com a coordenação política do governo - atribuir ou não a tarefa ao ministro José Dirceu, por exemplo -, mas têm como certo que o presidente vai atender o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o senador José Sarney (PMDB-AP). Em todo o episódio da CPI, Renan mostrou o quanto pode ser útil ou atrapalhar o governo. O presidente do Senado foi útil na terça-feira, quando manobrou para que o nome do jurista Alexandre Moraes fosse novamente votado pelo plenário do Senado, que o havia rejeitado no dia 18 de maio. Com isso, ajudou o Planalto a restabelecer pontes com a oposição. Na sessão do Congresso de quarta-feira, Renan impediu todas as manobras regimentais do governo para evitar ou protelar a criação da CPI dos Correios. Desde a véspera, o governo fazia discretas gestões para adiar a sessão do Congresso para terça-feira, o que daria mais tempo para os líderes governistas articularem uma eventual retirada em massa das assinaturas do requerimento. Até o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), tentou fazer com que o presidente do Senado mudasse de idéia, sem êxito. Pela manhã, antes da sessão, marcada para as 10h, Severino Cavalcanti esteve no Palácio do Planalto. Logo depois, seu partido, o PP, decidiu recomendar a seus filiados a retirada das assinaturas. Àquela altura, pelos cálculos do Planalto, dos 18 deputados que haviam assinado o requerimento, apenas quatro resistiam a retirar seus autógrafos. No final, apenas um parlamentar retirou a assinatura. Tal empenho, não foi à toa. Na reforma articulada por Lula, haveria espaço para um afilhado político de Severino. Aliados do ministro Aldo Rebelo, no entanto, acreditam que Lula possa reavaliar a reforma, diante da união dos ministros políticos no esforço para evitar a criação da CPI. Nas horas que antecederam a sessão da manhã de quarta-feira, Aldo, José Dirceu, Eduardo Campos (Ciência e Tecnologia), Eunício Oliveira (Comunicações) e Ciro Gomes (Integração Nacional) conseguiram unificar a linguagem do governo e tiveram algumas vitórias importantes, como levar PTB e PP a recomendar a retirada das assinaturas do requerimento. (Com agências noticiosas)