Título: É necessário restringir os cargos de confiança
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 27/05/2005, Opinião, p. A10

O PTB ameaçou sair do governo, na segunda-feira, entregando o que considerava ser a sua parte no governo de Luiz Inácio Lula da Silva: meia dúzia de cargos em estatais. Bastou um apelo para que o partido permanecesse na base aliada e botasse novamente no bolso os postos que entregaria. Na noite da última terça-feira, os acionistas de Furnas Centrais Elétricas se reuniram para aprovar a indicação de Francisco Pirandel para a Diretoria de Engenharia da estatal. Pirandel é do PTB e chegou até lá, apesar de uma dura oposição da ministra das Minas e Energia, Dilma Rousseff, graças ao intenso trabalho de convencimento feito pelo presidente do partido, Roberto Jefferson. O deputado trabalhou arduamente para isso nos últimos três meses e ganhou a guerra depois de arrancar o cargo do presidente Lula. A nomeação de um diretor de Furnas não se soma apenas a uma meia dúzia de cargos que Jefferson alega ter. Ao todo, calcula-se que o PTB possua 2 mil postos de confiança no governo Lula, o PL outros 2 mil e o PMDB, que não é um aliado tão aliado assim, 1,5 mil. O PT completaria os 25 mil cargos de confiança que estariam disponíveis no governo federal. Ao todo, portanto, seriam 25 mil possibilidades de um funcionário eventual, num cargo com poder decisório, cometer um pecadilho - ou um pecado médio, ou um grande pecado. Não existe a mínima chance de controle sobre milhares de funcionários que, embora em funções administrativas, foram investidos de poder político na hora que se tornaram "cargos de confiança", com provimento pelos partidos no poder. Dada a forte herança patrimonialista brasileira, pode-se acreditar na seguinte lei de probabilidades: quanto maior o número de cargos a serem provisionados por indicações políticas, maiores as chances de corrupção e escândalo. Desta lei, deriva uma outra: quando maior o número de cargos disponíveis à distribuição por critérios políticos, maior a disputa entre aliados. Além disso, qual não deve ser o trabalho de um governo, em detrimento de outras suas funções mais nobres, para administrar uma carteira tão grande de prêmios aos seus correligionários e aliados? Nos países mais desenvolvidos, que passaram por um processo mais longo de transformação do Estado patrimonialista em burocrático, os cargos de confiança não apenas são poucos como existem restrições legais à sua expansão. É essa, inclusive, a recomendação das Nações Unidas. Para a ONU, deve existir lei que defina com muita clareza quais os limites para a contratação para postos de confiança, e restrições à criação de novos cargos com este perfil. Eles devem ficar restritos aos postos superiores e de supervisão. A casta dos funcionários nomeados em confiança sobreviveu a todas as boas tentativas de profissionalização da gestão pública. A Constituição de 1988, com todas as restrições que se tem a ela, acabou com as admissões feitas às pencas por governadores em véspera de eleições, ao exigir a contratação por concurso público e impedir contratações no ano anterior às eleições. Seu papel moralizador, no entanto, deixou intocados os cargos de confiança. Esse é um sério obstáculo à profissionalização do setor público, seja no Executivo como nos outros poderes. Levantamento feito no mês passado pelo jornal "O Globo" constatou que 72% do quadro funcional do Congresso é preenchido sem concurso - isto é, por parentes, correligionários, amigos e cabos eleitorais. Na Câmara, o primeiro-secretário, Inocêncio Oliveira, para economizar na conta de pessoal sequer pensou em demitir os não-contratados. Simplesmente suspendeu um concurso para preenchimento de funções terceirizadas. A capilaridade dos cargos de provimento político na administração pública tem outros efeitos colaterais. Ao incluir os "com-padrinhos", abriu-se a porteira também para os sem-padrinhos. Foram mantidas normas de conduta frouxas para o funcionalismo, que não prevêem sequer a punição para desvios. O máximo da punição prevista no "Código de Conduta dos Titulares da Alta Administração", de 1998, é a demissão do faltoso de seu cargo de confiança. Se ele é um funcionário estável, sai do cargo, mas permanece na ativa. A limitação dos cargos de confiança a funções efetivamente de confiança pode não apenas ser profilático, do ponto de vista da administração pública, como um momento para concretizar promessas de profissionalização e valorização do funcionalismo público. Essa pode ser a garantia, para qualquer governante, de que ele terá um controle efetivo sobre seus nomeados.