Título: Sobram irregularidades
Autor: Luiz, Edson
Fonte: Correio Braziliense, 06/04/2010, Cidades, p. 22

Caixa de Pandora

Auditoria da CGU nos contratos do Governo do Distrito Federal pagos com recursos da União mostra indícios de desvios de R$ 106 milhões

A Controladoria-Geral da União (CGU) detectou 177 irregularidades (divididas em 12 tipos) nos contratos e convênios do Governo do Distrito Federal com a União, um prejuízo que chega a R$ 106 milhões. A auditoria começou em dezembro passado, dias depois da Operação Caixa de Pandora, que desvendou um esquema de pagamento de propina no GDF para a base aliada, envolvendo várias empresas. Os documentos investigados pela CGU se referem a contratos de 2006 a 2009.(1)

¿Classifico a situação do Distrito Federal como grave¿, afirmou o ministro-chefe da CGU, Jorge Hage. Ele se impressionou com tantas irregularidades na aplicação de recursos da União detectadas em pouco tempo de apurações, apenas 64 dias úteis. ¿Encontramos problemas praticamente em todas as áreas¿, acrescentou Hage. O relatório preliminar sobre a avaliação dos contratos foi entregue ontem ao presidente Lula. A CGU vai pedir à Polícia Federal que abra inquérito para apurar as irregularidades.

A primeira fase da inspeção atingiu repasses de R$ 27,8 bilhões do Fundo Constitucional do DF e de contratos normais com órgãos das duas esferas de administração. Um dos principais problemas encontrados pela CGU foi na área da saúde pública. A Controladoria identificou que R$ 320 milhões destinados o setor estavam aplicados no banco, enquanto cresciam as deficiências no setor.

¿Aplicar o dinheiro não é ilegal, é até obrigatório, mas o curioso é que as sobras vem aumentando a cada ano¿, ressaltou o ministro, dando exemplos de irregularidades na área, como compra superfaturada de medicamentos e aluguel suspeito de ambulâncias.

A CGU constatou que duas das empresas que mais venderam medicamentos ao GDF tinham sócios com vínculos familiares. A quinta firma que mais negociou com o governo também tinha graus familiares com os dois primeiros fornecedores. Os auditores ainda constaram que as três empresas tinham relação com a Linknet, firma investigada na Operação Caixa de Pandora.

Sem emergência Em 61 processos analisados até agora, envolvendo compra de remédios no valor de R$ 55 milhões, o prejuízo da União é de R$ 11,3 milhões relativo à diferença de preços. Além disso, a CGU criticou a retenção de R$ 320 milhões, enquanto o GDF gastava R$ 13 milhões no aluguel de ambulâncias por um período de seis meses. Foram encontradas irregularidades também na subutilização dos recursos liberados para a rede hospitalar, como a área de hemodiálise, pagamento de unidades de terapia intensiva da rede particular e reforma de unidades hospitalares. A CGU encontrou, ainda, falhas na aquisição de mobiliário escolar, cuja licitação foi feita com preços acima do mercado. Em uma delas, foram usados registros de preços promovidos pelo Piauí. ¿A justificativa dada é que era situação de emergência. Não vimos motivos para isso¿, disse Hage.

Na área de transporte, foram descobertas irregularidades na implantação do trecho Taguatinga-Ceilândia do metrô, além da aquisição de trens. Segundo a CGU, os auditores detectaram um sobrepreço de R$ 11,7 milhões nas planilhas, que representou um acréscimo de 123% no orçamento. Além disso, houve dupla cobrança de valores nas obras da BR-060 e a BR-020 ¿ trecho Formosa-Sobradinho. Isso teria ocasionado prejuízo de pelo menos R$ 6,1 milhões aos cofres da União. Os auditores também encontraram problemas na reurbanização de áreas em Ceilândia e na Estrutural, além dos assentamentos Arapoanga e Mestre D¿Armas, em Planaltina.

No último caso a situação foi pior, segundo Jorge Hage. A Novacap contratou uma empresa para fazer o gerenciamento dos contratos entre a estatal e a Caixa Econômica Federal, responsável pelos financiamentos de casas em Mestre D¿Armas. Além de um dos sócios da firma ter sido servidor da Caixa, quem fazia o trabalho integralmente era a Novacap, mas os proprietários da empresa recebiam R$ 4,8 milhões.

1 - Governos Os contratos analisados pelos auditores abrangem período no qual o Distrito Federal teve três governadores. Em 2006, Joaquim Roriz estava no cargo, mas saiu antes do fim do mandato para disputar eleições para o Senado. Maria de Lourdes Abadia assumiu o GDF. Em 1º de janeiro de 2007, José Roberto Arruda tomou posse como governador do DF.

Classifico a situação do Distrito Federal como grave. Encontramos problemas praticamente em todas as áreas¿

Jorge Hage, Ministro-chefe da Controladoria-Geral da União

Três depoimentos na Polícia Federal

Noelle Oliveira

O empresário José Celso Gontijo, a ex-mulher do governador cassado José Roberto Arruda, Mariane Vicentini, e o ex -distrital Pedro Passos prestaram depoimento ontem à tarde na Polícia Federal. Todos já tinham sido convocados na última semana, mas não compareceram. Apesar de serem aguardados oito novos depoentes, além de cinco reconvocações, a PF não conseguiu marcar todas as reuniões. A corporação tem até hoje para encerrar os interrogatórios referentes à Operação Caixa de Pandora. Na quinta-feira, o relatório final deve ser encaminhado ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Os depoentes foram ouvidos na Diretoria de Inteligência da PF, no Sudoeste. O dono da construtora JC Gontijo Engenharia prestou esclarecimentos durante duas horas e, acompanhado de dois advogados, saiu sem falar com a imprensa. O ex-distrital Pedro Passos, que se apresentou voluntariamente, foi ouvido em seguida. Segundo a assessoria de Passos, a única pergunta feita a ele foi a respeito de uma carta apreendida pela PF na casa do ex-chefe de gabinete do governador Arruda e conselheiro afastado do Tribunal de Contas do DF, Domingos Lamoglia. Na correspondência datilografada, atribuída ao ex-deputado, Passos dá notícias sobre sua situação financeira, descreve o esquema que mantinha durante a gestão de Joaquim Roriz e pede mesada ao governador Arruda. A carta estava assinada com as iniciais P.P. O ex-distrital, no entanto, negou a autoria do documento.

Ex-mulher Depois de Passos, foi a vez da ex-mulher de Arruda Mariane Vicentini. O teor do depoimento, no entanto, não foi divulgado. ¿Não tenho muito o que falar sobre o assunto¿, disse ela ao Correio. Mariane Vicentini, 39 anos, foi primeira-dama do DF nos primeiros meses do mandato de Arruda à frente do GDF. Após relacionamento de 14 anos, o ex-governador separou-se dela no início de 2007. Hoje, ele é casado com Flávia Arruda.

Está marcado para hoje às 16h30 o depoimento da deputada distrital Eurides Brito (PMDB). Essa é a segunda vez que a parlamentar ¿ flagrada em vídeo recebendo dinheiro de Durval Barbosa na campanha eleitoral passada ¿ é convocada.

Colaborou Daniel Brito

O prejuízo

A Controladoria-Geral da União relacionou 12 tipos de irregularidades ¿ em 177 ocorrências ¿ nos contratos analisssados pelos auditores. Nem todos os gastos foram inteiramente cobertos com recursos federais. Os principais pontos são:

Tipo - Recursos envolvidos (em R$)

Pagamentos indevidos - 51,8 milhões

Convênios e contratos não executados - 39,9 milhões

Sobrepreço ou superfaturamento - 33,9 milhões

Contratação desnecessária - 7,1 milhões

Problemas na execução - 5,6 milhões

Problema na formalização da contratação - 5,2 milhões

Restrição à competitividade - 2,1 milhões

Execução fora da conta vinculada - 431,6 mil

Favorecimento no julgamento de licitações - 212,8 mil

Ausência de detalhamento - 145,2 mil

Despesas inelegíveis - 61,6 mil

Saldo a devolver - 24,9 mil

Principais problemas

Confira algumas das irregularidades em contratos do GDF apontadas no relatório da CGU:

Metrô O relatório de fiscalização apontou sobrepreço que representa um acréscimo de 125,13% em relação ao orçamento referencial. O prejuízo está estimado em R$ 11,7 milhões. A obra é do trecho Taguatinga-Ceilândia. A fiscalização também encontrou indícios de superfaturamento na compra, por cerca de R$ 328 milhões, de trens e sistemas.

Rodovias A CGU encontrou problemas nas obras das BRs-020 e 060. O problema é de sobrepreço ¿ prejuízo de R$ 5 milhões aos cofres da União, na BR-020. Na outra estrada, a irregularidade seria cobrança em duplicidade pelas obras.

Saúde Os sócios das duas principais fornecedoras de medicamentos ao GDF tinham parentescos entre si e com outro fornecedor. Além disso, ambulâncias foram alugadas, enquanto o governo tinha em caixa R$ 320 milhões aplicados no BRB.

Urbanização A urbanização dos setores Arapoanga e Mestre D¿Armas, em Planaltina, também apresentou problemas, como a restrição à competividade na licitação, e o uso de uma empresa para gerenciar o financiamento da Caixa Econômica para a realização das obras. Além disso, há indícios de irregularidades em obras de urbanização na Estrutural e em Ceilândia.

Difícil fiscalização

O ministro-chefe da CGU, Jorge Hage, lembra que a União não pode fiscalizar recursos do GDF, mas todo o material coletado será encaminhado para a Polícia Federal e Ministério Público. O assunto já foi levado por Hage a seu colega da Justiça, Luiz Paulo Barreto, e ao diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa.

Conforme a CGU apurou, desde 2006, seis empresas investigadas na Operação Caixa de Pandora receberam recursos do GDF. No primeiro ano, uma delas recebeu R$ 26,7 milhões. Em 2007, três firmas levaram R$ 30,9 milhões. No ano seguinte, já eram R$ 131,9 milhões para seis empresas. O mesmo volume de recursos foi garantido no ano passado. O aumento, conforme o relatório, foi de 356,6% em quatro anos.

De acordo com Hage, o caso será encaminhado ao Tribunal de Contas da União (TCU) para a aplicação das punições. Segundo ele, porém, as atuais leis atrasam ou dificultam os processos. ¿Protela-se ao máximo possível. A legislação é a maior aliada da corrupção.¿

GDF lança nota

O resultado da auditoria promovida pelo órgão nas finanças não chegou ao Governo do Distrito Federal (GDF). Foi o que alegou a Secretaria de Comunicação do governo local em nota enviada à imprensa no início da noite de ontem.

No documento, o secretário de Comunicação do DF, André Duda, afirmou que o governador Wilson Lima não foi notificado oficialmente e que os dados apresentados são referentes a governos anteriores. ¿Somente após o recebimento da auditoria da Controladoria-Geral da União e de analisar o conteúdo é que o GDF poderá se manifestar e tomar as medidas cabíveis em cada caso¿, informou o GDF na nota oficial.

Serviços prestados A CGU também apontou irregularidades na área de educação, com seis firmas que receberam pelo menos R$ 320,7 milhões, com acréscimos anuais.

A secretária de Educação, Eunice Santos, encaminhou explicação a todas as Diretorias Regionais de Ensino questionando a investigação feita pela Controladoria. De acordo com o texto, ao qual o Correio teve acesso, todos os pagamentos feitos pela pasta se referem a serviços efetivamente prestados nas áreas de limpeza, vigilância e informática.

Ainda de acordo com o comunicado, os auditores federais tiveram ¿pleno acesso a todas as informações requeridas, que incluem processos licitatórios e pagamento de faturas, apenas e tão somente nas áreas de alimentação (merenda), transporte, passe rural escolar e um convênio para a aquisição de mobiliário, incluindo visitas in loco em várias instituições educacionais selecionadas por eles¿. Os demais órgãos do GDF não lançaram comunicado sobre o relatório da CGU.