Título: Protocolo de Cartegena divide governo
Autor: Mauro Zanatta
Fonte: Valor Econômico, 27/05/2005, Agronegócios, p. B8

Brasil leva à discussão do acordo as mesmas divergências que marcaram discussão da lei nacional

O Brasil corre o risco de chegar à mais importante reunião sobre comércio internacional de organismos modificados sem saber ao certo quais teses defenderá diante de outros 119 países. As discussões sobre as regras do Protocolo de Biossegurança de Cartagena, que começam na próxima semana em Montreal (Canadá), opõem, em Brasília, duas linhas que já se enfrentaram nos bastidores do governo durante as negociações da nova Lei de Biossegurança, que regulamenta plantio e comercialização de transgênicos no país. De um lado jogam os ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento e da Ciência e Tecnologia. De outro, Saúde e Meio Ambiente. Em meio ao desentendimento está o Itamaraty, que ainda não sabe as posições que defenderá nas reuniões decisivas de meados de junho. Até lá, a Casa Civil promete intervir, como fez nas discussões sobre as novas regras para transgênicos no país. Pode ser preciso uma reunião entre os ministros para chegar a um consenso mínimo ao menos sobre os temas mais importantes. O protocolo, adotado pelas partes desde 2000, prevê a identificação desses organismos transgênicos, a criação de mecanismos para responsabilizar e compensar danos causados ao ambiente e à saúde humana, além da necessidade de avaliar riscos e treinar agentes para lidar com os temas. A principal divergência refere-se à expressão que deve ser adotada para identificar, no trânsito internacional, os transgênicos. O primeiro grupo de ministérios, "pró-transgênico", defende que as cargas estampem a expressão "pode conter" material transgênico. O segundo, mais resistente, exige que os documentos expressem "contém" um determinado tipo de transgênico. "Isso pode determinar se haverá custos de identificação das cargas ou não", diz o engenheiro agrônomo Gabriel Fernandes, observador do processo pela consultoria carioca ASPTA. Outro tema importante, e sobre o qual também não há consenso no governo, é a responsabilidade dos produtores por danos causados pelos transgênicos exportados. O grupo "pró" quer responsabilidade apenas sobre a movimentação das cargas, e não sobre impactos posteriores à venda. "Não é o escopo do protocolo. Cada país tem a sua própria lei sobre o tema", diz Marcus Coelho, coordenador de Biossegurança do Ministério da Agricultura. "Mas isso é fundamental para juntar as pontas, dar sentido às medidas de monitoramento", rebate Letícia Rodrigues da Silva, gerente de Normalização e Avaliação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que representa o Ministério da Saúde. Além dessas divergências internas, há uma briga global sobre o tema. Os países do chamada Grupo de Miami - Canadá, Austrália, Argentina, Chile e Uruguai - defendem regras menos abrangentes e restritivas. Os demais signatários, liderados pela União Européia, querem impor mais travas ao comércio internacional de transgênicos. Os Estados Unidos, que sempre jogam papel importante nesse jogo, não são parte do protocolo, mas exercem influência sobre as decisões do Grupo de Miami. No meio disso, está o Brasil. Grande produtor e exportador de commodities, e agora com regras definitivas para o plantio e a comercialização de transgênicos, o país tem que medir exatamente onde as decisões do Protocolo de Cartagena pode beneficiar ou prejudicar seus produtores. O protocolo se aplica ao comércio, armazenagem, identificação e uso de todos os transgênicos que podem afetar a biodiversidade e a saúde humana.