Título: País faz esforço para ampliar ofertas
Autor: Raquel Landim, Assis Moreira e Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 19/10/2004, Brasil, p. A-3

Seguindo a orientação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de fazer todos os esforços para concluir o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Européia, representantes de todos os ministérios envolvidos na negociação decidiram, ontem em Brasília, formas de melhorar as propostas a serem levadas aos europeus, na reunião entre autoridades dos dois blocos, amanhã, em Lisboa. A intenção da reunião em Brasília, segundo um integrante do governo brasileiro, foi dar trunfos para o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, e seus colegas de Argentina, Uruguai e Paraguai, na reunião com o comissário de Comércio da União Européia, Pascal Lamy, caso se constate interesse dos europeus em avançar nas negociações ainda neste mês. Segundo uma fonte do governo brasileiro, o Mercosul poderá fazer novas concessões em resseguros, transporte marítimo e setor automotivo - áreas de grande interesse europeu. Mas só se houver consenso entre os membros do bloco. O Ministério da Fazenda deve enviar hoje, por fax, ao Itamaraty, propostas de melhorar o acesso dos prestadores de serviço europeus aos setores de seguros e bancário; o mesmo fará a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em relação à telefonia. E o Ministério do Desenvolvimento tenta pressionar as montadoras do Brasil e Argentina para reduzirem o prazo de 18 anos proposto para a liberalização do comércio de automóveis entre os dois blocos, e aumentar as cotas de importação de carros oferecidas aos europeus. Em contrapartida, os europeus teriam que aumentar o volume das cotas agrícolas, acabar com o parcelamento em 10 anos e deixar a administração das cotas por conta do Mercosul. Essas seriam as bases mínimas do acordo. As expectativas em Brasília, contudo, são pessimistas, dada a extensa lista de assuntos pendentes. Se não for possível fechar o acordo, os ministros devem sair do encontro em Lisboa ao menos reforçando a vontade política de seguir negociando. Segundo um dos participantes da reunião de ontem em Brasília, o governo brasileiro quer obter dos europeus, pelo menos, o compromisso de assegurar os avanços obtidos até agora, para evitar que ela comece do zero com a nova comissão européia, que assume após 31 de outubro. Resseguros, transporte marítimo e setor automotivo não são concessões fáceis para o bloco do Cone Sul. Essas questões foram discutidas ontem pelos ministérios brasileiros e serão abordadas novamente hoje em Lisboa, durante a reunião preparatória do Mercosul. Fontes confirmam que alguns membros do governo parecem dispostos a usar o setor de resseguros como moeda de troca no acordo com a UE. Os europeus pedem abertura do mercado, que hoje é monopólio do IRB, uma sociedade anônima, cujos acionistas são o Tesouro Nacional, com 51% de participação, e as seguradoras, com 49%. Na reunião de ontem, porém, os avanços se concentraram nas propostas para maior acesso no mercado convencional de seguros. O governo Fernando Henrique Cardoso já tentou privatizar o IRB, mas foi barrado por uma ação de inconstitucionalidade (Adin) movida pelo Partido dos Trabalhadores no Supremo Tribunal Federal (STF). Recentemente, por conta de mudanças na regulamentação legal do setor financeiro, a Adin foi derrubada. O governo desistiu de privatizar o IRB, mas segue na intenção de abrir o mercado. Uma nova Adin, contudo, poderia ser movida a qualquer momento. Na área de transporte marítimo, a UE quer trânsito livre entre os países do Mercosul. Essa é uma demanda particularmente forte da Grécia, que possui 60% do Produto Interno Bruto (PIB) do setor de serviços dependente dessa área. O problema é que esse assunto ainda está sendo discutido dentro do Mercosul. Há acordos bilaterais entre os países que tratam do transporte marítimo, mas está em curso a negociação de um protocolo do Mercosul sobre o tema. No setor automotivo, há um embate entre Brasil e Argentina. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) despachou dois enviados a Lisboa para mostrar que o setor está disposto a fazer concessões. Elisabeth Carvalhaes, vice-presidente da Volkswagen, e Pedro Gabriel Betancourt, diretor da GM do Brasil, informam que a Anfavea aceita ampliar para 38 mil a cota de importação de carros europeus por ano só para o mercado brasileiro, o que poderia empurrar a cota do bloco para 45 mil. Em troca, a Anfavea quer acesso imediato e livre para a Europa. O crescimento das exportações seria rápido e grande, podendo chegar a mais de 100 mil unidades só no primeiro ano, estima Carvalhaes. A Argentina é contra a cota de 38 mil porque teme perder espaço no mercado brasileiro. Em Luxemburgo, os ministros de agricultura da União Européia discutiram ontem a negociação com o Mercosul. O comissário europeu Franz Fischler insistiu que agora muita coisa vai depender da flexibilidade que o bloco do Sul apresentar em Lisboa. Ontem, a França insistiu que a agricultura não deve pagar sozinha o preço de um acordo com o Mercosul. Mas a comissão acha que, se houver um "acordo equilibrado", a resistência francesa cairá por terra. Os europeus acenam recolocar na mesa a autorização para profissionais brasileiros obterem vistos de trabalho de seis meses na Europa, em troca de concessões em serviços financeiros, telecomunicações e transporte marítimo.