Título: O longo caminho do ajuste fiscal
Autor: Maria Clara R. M. do Prado
Fonte: Valor Econômico, 30/05/2005, Opinião, p. A11

Não há milagre que possa resolver em pouco tempo os abusos e gastos inconseqüentes que continuam, infelizmente, a persistir na administração do setor público brasileiro. Isso é verdade nas diferentes esferas de poder - executivo, legislativo e judiciário - e em diferentes níveis de governo. Rapidamente se perde o controle sobre as contas públicas, enquanto que anos e anos de paciência e perseverança são necessários para colocar os números em ordem. Essa "assimetria temporal" submete o setor público a uma gangorra perversa: momentos de euforia, em que se escancara a porta dos cofres públicos na crença de que os recursos são infinitos, acabam inexoravelmente impondo, mais cedo ou mais tarde, momentos de imperioso rigor na administração do caixa por falta absoluta de dinheiro. Os governantes irresponsáveis - e, aqui, não se pode deixar de considerar também a corrupção no rol das iniciativas que mais afetam o erário público - deixam para a sociedade os frutos danosos do alto custo de sua insensatez e obrigam a quem os sucede a ficar catando os restos do que pode ser aproveitado e remendado em busca do ajuste. Quando assumiu o governo do Estado de São Paulo, há dez anos e alguns meses, Mario Covas herdou um enorme "buraco" nas finanças orçamentárias, resultado da péssima administração dos cofres públicos acumulada ao longo de oito anos. Seus antecessores deixaram dívidas volumosas, pendências judiciais aparentemente impagáveis, uma máquina administrativa caótica e um banco que por meses e meses a fio, no segundo semestre de 1994, sangrava diariamente na linha de redesconto do Banco Central. O gráfico ao lado ilustra bem a situação. O déficit do orçamento do Estado de São Paulo, deflacionado pelo IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas (FGV), cresceu entre 1987 e 1990, último ano do governo Orestes Quércia, na média 12,6% da receita total ao ano, representando deficiência média anual equivalente a R$ 6,7 bilhões. Quércia deixou o governo em março de 1991, mas seu sucessor e companheiro de partido, Luiz Antônio Fleury, conseguiu piorar ainda mais os resultados fiscais. O déficit médio no período entre 1991 e 1994 representou R$ 10,9 bilhões ao ano, o equivalente a 19,8% da receita total do estado. Quando assumiu, em janeiro de 1995, Mário Covas não teve alternativa senão a de ficar juntando cacos. Fez isso por um bom tempo, até que, em 2000, iluminado finalmente pela chama do bom-senso, colocou à venda o Banespa, arrecadando só ali R$ 7 bilhões, o equivalente então a US$ 3,6 bilhões. Covas faleceu pouco depois, em março de 2001, deixando o posto para o vice-governador, Geraldo Alckmin que, eleito governador em 2002, tem desde então recuperado a capacidade de investimento no estado. O programa que lançou na semana passada - de "Gerenciamento Intensivo dos Projetos Estratégicos" - busca melhorar a administração dos gastos nas mais diversas áreas de atuação do governo. Tem a cara do Avança Brasil, introduzido pelo governo federal, na gestão anterior, quando Martus Tavares era Ministro do Planejamento. Agora, na secretaria de planejamento do Estado de São Paulo, Martus trouxe a novidade para o governo estadual. Não se acrescentaram números aos que já existiam. Na carteira do sistema do novo gerenciamento, foram alocados 46 projetos e programas já anteriormente previstos, orçados em R$ 12,3 bilhões. Haverá um gerente especificamente designado para tomar conta de cada programa ou projeto. O objetivo é fazer o monitoramento passo a passo de modo que a execução possa ser agilizada. Muitos desses programas são da área de desenvolvimento social, onde os problemas com a Febem continuam a dar dor de cabeça ao governo do estado. Alckmin promete aplicar até 2006 a totalidade dos recursos já alocados para a reformulação estrutural e pedagógica da Febem, no valor de R$ 68 milhões. Um gerente vai ser designado só para cuidar desse programa. Terá metas a cumprir, a obrigatoriedade de alimentar o sistema com informações sobre o andamento do programa todos os dias e receberá os recursos de acordo com o andamento do projeto. Há outros programas na área social, cujos gastos representam 40% do total. Está prevista, por exemplo, a modernização e a ampliação do sistema prisional, a expansão e melhoria do ensino médio (que é, aliás, o grande gargalo atual do sistema educacional brasileiro), além de iniciativas várias na área da saúde. Na área de infra-estrutura, que envolve 43% dos recursos previstos até 2006, o novo sistema de gerenciamento incorporou os já conhecidos projetos de ampliação da linha 2 do metrô e construção da linha 4, além da construção do trecho sul do Rodoanel da cidade de São Paulo. Na área de meio ambiente e recursos hídricos destaca-se o projeto de combate às inundações na região metropolitana da capital, que tanta dor de cabeça deram ao governador na semana passada. O que se tenta, em suma, é colocar foco na administração dos programas e dos projetos selecionados. O mais importante a reter é o fato de que muito sacrifício se fez para chegar até aqui. Para o bem do povo do estado, espera-se que o próximo governador não jogue pela janela o trabalho desses últimos dez anos.