Título: País pode proteger agricultura familiar
Autor: Vanessa Jurgenfeld, Marli Lima e Paulo Emílio
Fonte: Valor Econômico, 30/05/2005, Brasil, p. A3

Defensor da liberalização do comércio agrícola mundial, o Brasil pode pedir proteção para alguns produtos da agricultura familiar nas negociações da Organização Mundial de Comércio (OMC). O assunto é considerado pela diplomacia uma "bomba interna" e provoca divisões no governo. O pleito vem do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que argumenta que a abertura comercial da Rodada Doha pode elevar as importações e deprimir os preços de produtos como leite e derivados, feijão, arroz ou milho, que são fundamentais para a renda das 4,1 milhões de propriedades de pequenos agricultores do país. O Ministério da Agricultura (MAPA) é contra, pois teme o desgaste que o pedido de proteção pode causar para a imagem do Brasil. Um dos maiores produtores agrícolas mundiais, o país é líder do G-20, grupo de países em desenvolvimento que pede o fim dos subsídios agrícolas, e ganhou processos contra o apoio dos Estados Unidos e da União Européia aos agricultores. Conforme o rascunho do acordo agrícola da OMC (conhecido como "framework ") de julho, os países em desenvolvimento poderão determinar que alguns produtos sejam "especiais", o que significa menor redução de tarifas ou o direito de aplicar salvaguardas. O MDA solicita que o Brasil utilize esse mecanismos, enquanto o MAPA defende que o país deve abrir mão. O assunto está sendo debatido em dois fóruns: no grupo técnico interministerial da negociação agrícola da OMC (Itamaraty, MAPA, MDA e Desenvolvimento) e no Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea). Órgão de aconselhamento da Presidência da República, o Consea também montou um grupo para discutir o impacto da Rodada Doha na segurança alimentar. No Consea, também ficaram evidentes as divergências entre Agricultura e Desenvolvimento Agrário. As duas opiniões constarão do relatório final, que deve ser entregue ao presidente Lula essa semana. "Queremos que se reconheça que existe essa agricultura familiar no país", afirma Ana Luiza Pijnappel, assessora internacional do MDA. "As ofertas do Brasil na OMC estavam baseadas apenas na questão comercial", emenda Rafael Cedro, também da assessoria internacional do MDA. Com o auxílio do Instituto de Planejamento de Economia Aplicada (Ipea), o Consea elaborou uma lista de produtos sensíveis para a segurança alimentar, baseada na sua importância para a agricultura familiar e para o consumo da população. É com base nessa lista que o governo discute que produtos pode solicitar como "especiais" na Rodada Doha. Um dos critérios será excluir os produtos no qual o Brasil é forte exportador. O setor que mais preocupa e que estará na lista do MDA é lácteos. O Brasil aplica 27% de tarifa para a importação de leite e derivados, além de direito antidumping contra UE e Nova Zelândia e um acordo de compromissos de preços com Argentina e Uruguai. Produtos com menor participação no comércio como feijão, hortaliça, mandioca e tomate também podem ser incluídos. Para fontes da diplomacia brasileira, a discussão sobre os produtos especiais é inevitável, já que é o tema que será objeto de debate em Genebra. O Itamaraty tenta "manter a casa unida", já que as posições são "apaixonadas". Segundo as fontes, a demanda tem legitimidade, mas pode afetar a posição negociadora do Brasil. A premência com que o país terá que tomar uma decisão dependerá do andamento das negociações na OMC. Por enquanto, é possível conciliar as posições no G-20, já que China e Índia, que possuem grandes populações agrícolas, defendem a existência de produtos "especiais". Para Marcos Jank, presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), entidade financiada por grandes associações agrícolas, "existe uma idéia equivocada de que a agricultura familiar precisa de proteção". Ele defende que o Brasil não deve brigar pelos produtos "especiais" e é radicalmente contra as salvaguarda de preço. Ele avalia que esse instrumento de defesa comercial mantém os preços domésticos acima dos praticados no mercado internacional e condena o setor a nunca ser competitivo. (RL)