Título: Real forte estimula importações de ocasião
Autor: Vanessa Jurgenfeld, Marli Lima e Paulo Emílio
Fonte: Valor Econômico, 30/05/2005, Brasil, p. A3

Empresas fazem estoque com dólar abaixo de R$ 2,50

O dólar entre R$ 2,40 e R$ 2,50 abriu diferentes oportunidades para as empresas brasileiras aumentarem suas importações. O movimento não é generalizado, mas há companhias formando estoque, outras trocando fornecedor doméstico de bens de baixo valor agregado por um fornecedor externo e, também, quem esteja apenas fazendo um negócio que, temporariamente, ficou mais atrativo. Essas diferentes situações ajudam a explicar porque as importações passaram a crescer 30% em maio em relação ao ano passado, percentual que era de 21% até abril. Entre os setores que aproveitam as oportunidades, estão autopeças, eletroeletrônicos e alimentação, entre outros. Ele têm em comum a procura por fornecedores externos de insumos que podem ser considerados commodities. Desde o fim do ano passado, a Fundição Tupy, empresa com sede em Joinville (SC), começou a substituir alguns fornecedores nacionais de matérias-primas por internacionais. O aumento das importações teve início quando a cotação do dólar começou a recuar em relação ao real. De acordo com o diretor de serviços corporativos e desenvolvimento de negócios, Rogério Nogueira, nos últimos três meses foram homologados novos fornecedores e ampliadas as compras que já eram feitas na China, Estados Unidos e Argentina. A Tupy fabrica e vende blocos e cabeçotes de motor em ferro fundido para montadoras de veículos no Brasil e no exterior. Para a sua produção, importa diversos tipos de ligas metálicas. Com o recuo do dólar, outros materiais também passaram a ser comprados fora, entre eles o cavaco, a sucata que sobra na usinagem de blocos de motores, feita pelas montadoras. O cavaco é usado pela Tupy em novas ligas metálicas. "Com o câmbio no nível que está, achamos melhor substituir fornecedores. A sucata antes era toda nacional", diz. Ainda que ocorra formação de estoques pela maior importação, Nogueira diz que a redução dos custos operacionais será maior do que as despesas de um eventual armazenamento. Segundo o diretor da Tupy, como grande parte da receita da fundição é em dólar, a empresa registrou queda de faturamento com o recuo da moeda americana. "A saída para equilibrar situação foi comprar mais barato", disse. Antes da valorização do real, apenas 5% do total gasto em compras pela Tupy eram feitos no exterior. Hoje, o montante deve chegar a 20%. A Acumuladores Moura, fabricante de baterias para veículos de Belo Jardim, a 180 km de Recife, também ampliou as importações no primeiro quadrimestre deste ano. As compras no exterior passaram de US$ 3,2 milhões para US$ 4,8 milhões, uma alta de 50%. "Não estamos fazendo estoques, é apenas uma questão financeira, compramos onde está mais barato. Nesse momento sai mais barato comprar a matéria-prima no mercado externo", diz Sérgio Moura, diretor industrial. Segundo ele, 80% das importações são de chumbo, matéria-prima essencial para a produção de baterias. Os demais 20% são separadores de polietileno, componente trazido da Inglaterra e Estados Unidos. No caso do chumbo, o produto vem da Argentina e Peru. Das 2,8 mil toneladas de chumbo consumidas mensalmente pela empresa, cerca de mil toneladas são importadas. "O país não produz chumbo primário, ele é obtido por meio da reciclagem de baterias usadas. Com o dólar baixo sai mais barato importar que adquirir o produto reciclado no mercado nacional", explica. A Moura, líder nacional em vendas de baterias - tem 50% do mercado das montadoras e 20% do de reposição - deverá fechar o ano de 2005 com um volume de produção em torno de 3 milhões de unidades, 7% maior do que em 2004. A Moura também exporta para 13 países. Fornecedora de malte para as maiores cervejarias do país, a Cooperativa Agrária Mista Entre Rios, que atua em nove municípios da região central do Paraná, já comprou este ano 20% mais cevada e trigo da Argentina do que em igual período do ano passado. A matéria-prima do país vizinho custa atualmente 10% menos do que o valor pago aos produtores paranaenses em novembro, na colheita da safra de inverno. "Com essa taxa de câmbio fica mais interessante comprar fora", afirma o superintendente da cooperativa, Adam Stemmer. Os clientes da Agrária, que tem 423 cooperados e faturou R$ 758 milhões em 2004, também estão preferindo importar, o que provoca reflexos em toda a cadeia produtiva, observa o executivo. Como as cervejarias estão comprando menos no país, a Agrária está reduzindo o número de contratos com não-cooperados na safra nova para o fornecimento de cevada. "Se tudo continuar como está, não vai compensar produzir no Brasil", diz Stemmer. O executivo informou que a cooperativa manterá os contratos com os cooperados para abastecer sua fábrica de farinha. Das 140 mil toneladas de trigo que serão moídas, 80 mil serão compradas de cooperados, 30 mil de não-cooperados e os outros 30 mil, que poderiam vir do mercado interno, onde há estoque, deverão vir de fora. No ano passado a Agrária também importou, mas volumes menores e em menor período de tempo, de abril a junho. Em 2005, ela começou a comprar da Argentina em março e só deverá diminuir os pedidos em agosto. A fabricante de aparelhos de telefone Intelbras, de Santa Catarina, aumentou em 30% o estoque de componentes eletrônicos importados principalmente da Ásia, aproveitando a baixa do dólar. De acordo com o presidente da Intelbras, Altair Silvestre, a empresa deve ganhar com redução de custos, mas não tanto assim. "Nossos custos, embora caiam, não caem como o de nossos concorrentes, que importam quase 100% dos componentes e não apenas 70%", diz. Silvestre afirma que a empresa iniciou compras mais robustas de materiais como os chips de telefonia de fornecedores de Taiwan e China assim que o dólar atingiu o patamar de R$ 2,60. A indústria pretende continuar o movimento de estocagem nos próximos dois meses. "Achamos que depois disso, o dólar voltará a subir e não será mais vantajoso. Não acreditamos que a cotação atual se sustente por muito mais tempo", diz ele. A Intelbras chegou a analisar a substituição dos cerca de 30% de componentes nacionais por fornecedores estrangeiros, mas concluiu que não seria vantajosa a inversão, já que as oscilações da moeda são constantes e a empresa tem investido em exportação, o que torna o fornecimento nacional mais competitivo. A estratégia da Asa Indústria e Comércio, fabricante pernambucana de produtos de higiene, limpeza, alimentos e bebidas, é manter as importações em volumes semelhantes aos registrados no ano passado. "Não adianta comprar com o dólar em baixa se no momento de pagar a importação ele estiver em alta. Desde dezembro fechamos um contrato prévio até o final do ano com nossos fornecedores e devemos manter o que foi acertado sem alterações. A despesa financeira é o que conta no final de tudo ", afirma o diretor da empresa, Eduardo Henrique.